LÁPIS-LAZÚLI (10)

AMÁLGAMA DE VOZES

_ Serenamente morro...

Em que lado brilha o sorrir das ânsias,

em que ponto posso sentir o roçar das peles,

dando-me, enfim, o prazer...?

_ Atira-te daquele penhasco! Nasceste fraco,

espalha o asco e o tédio em todas as carruagens...

_ As cores conversam comigo...

desmancharão a pedra do meu tédio,

com mão espatifará a tua solidez.

A lua fala: _ O grande contubérnio entre os seres...

O florescimento da harmonia; lembre-se da vida!

Fala a feiticeira de Machbet: _ Atira-te daquele penhasco!

Nasceste fraco, por tudo tens sólido asco.

A folhagem suplica: _ Roça-se nos meus sentidos, sinta o orvalho

transpirando ao reflorescer do teu dia claro. Abrace um livro,

enrolece-se em cada demonstração de luzes estrelares.

_ Serenamente morro... nervosamente vivo! Amálgama de vozes

despertando mais uma vez nesta noite. Será meu suplicar idiota?

A este nível já chegou o triturar dos nervos?

_ Atira-te daquele penhasco! Nasceste maldito e fraco,

por tudo terás desespero e vergonha,

e os outros vêem-no fraco. Já és a figura da implicância.

És a mais nojenta e infecta substância.

_ Não! folhagem, lua, socorre-me... Quero estar firmado

em teus mandamentos, porém ainda me embriago de fraqueza,

vivo nervosamente momentos terríveis.

Jamais se vence a fraqueza pela força viciosa dos nervos,

mas sim, pela grande força da mente.

_ Folhagem!... Há a resolução para o homem? O harmonizar

de todas as mãos entrelaçadas? _ Lua? Há uma escada

que determine a ascendência para o teu azul?

_Jamais! Diz a feiticeira com voz seca e impressionante.

_ Ah! feiticeira, traidora implacável. Será a tua voz a da fraqueza

ou será o prenúncio de minha destruição;

faz-me olhar narcisamente

para o espelho...

Obriga teus filhos a ouvirem os ecos do III Reich,

a masturbar-se no masoquismo, fugindo a fuga insana e incontrolável.

Fuga para a cratera onde geme os mais diversos sofrimentos

no único e angustiado vilipêndio da vida...

Não... Deixa-me... Ecos macabros. Como posso fulminá-las em um

só instante de verdade? Folhagens! Luas! Estou na beira do mundo,

prestes a cair no universo.

Há resolução para o homem? Respondam-me,

Respondam-me... Responda-me...

E somente um silvo se fez ouvir naquela parte distante do caminho.

Permaneci na dúvida... Um silvo do vento tempestuoso, juntando

e movendo em grandes redemoinhos capins e folhas.

Será este silvo que me responde? Tento bem ouvi-lo,

traz a melodia das folhagens e da lua ou a voz da feiticeira...?

Qual será o teu teor, não consigo ainda perceber... Será congelada

ou calor fertilizante... Será esta a resposta?

Este silvo apenas demonstra a voz dos ventos, a voz que faço

parte destas coisas que se movem. Por isto, este silvo mostra com seu som esta realidade que estou vivendo, estamos...

É sinistro e não traz aquela resposta... E nós estamos na parte

daquele caminho, e o silvo com seu idioma de vento incógnito

demonstra que a resolução está em nós...

LABORATÓRIO DAS SENSAÇÕES

Nesta ampola existe muitas reações,

pegue os sorrisos que, entre os primeiros sorrisos,

se classifica.

É uma ciência de minúcia.

Isto implica um trabalho muito cansativo.

Laboratório de ações

escolha os elementos de sensações.

Aquele livro exemplifica,

não tema fazer as reações neste laboratório extravagante.

Qualquer mistura feita com prudência se qualifica.

Há tantos bandos para muitos destes interessantes cientistas.

A vida, ao mesmo tempo que pára, se modifica.

A efervescência das sensações,

muitas ampolas se quebram com as explosões,

outras ampolas ficam tão belas com o líquido, adquirindo uma

cor cintilante e linda.

Um cientista critica:

_ Aquele trabalho é tão perigoso!

Já outro entusiasmado fica.

Surgirá substância nova, fortificante.

Estranho este laboratório de sensações.

Localiza-se nas profundezas desta terra

em que cada um está acostumado a pisar,

acostumado a sofrer e a se lastimar.

Não fique com medo, respire fundo e entre neste laboratório;

aqui fervem os elementos que se conflitam no ácido,

fervem tanto que, se o cientista encostar a mão

em momento errado, a reação o queimará.

Já outros reações se harmonizam...

Não fique com medo, pegue os elementos e os coloque nas ampolas,

talvez você tenha nascido para ser este tipo de cientista.

Reúna os mais fortes atos e esclareça, esclareça o segredo

de cada decisão. Assim, amanhã, a vacina você aplica.

E ouça das melhores fórmulas: _ É preciso utilizar!

Mas não se enlouqueça, pois o laboratório pode ir para os ares.

Pode até rir das reações mais gozadas.

Quanto é extenso, quanto é complexo este laboratório de sensações!

Corre assim por milhões de corredores

e você poderá ouvir muitos gritos, sussurros, coisas alegres

e tenebrosas. Será um cinema dentro de um laboratório...

Os cientistas andam rapidamente, outros mais vagamente,

todos pensando, preocupados: _ Qual será a melhor fórmula?

Alquimistas especializados, poetizados

pervagam estes corredores.

Uma sensação domina a outra que, enraivecida, se esconde ou protesta.

Outra sensação já está beijando a outra;

mas todas, no fundo, são sensações, e por seus próprios

atores podem ser controlados. Para isto, existe este

laboratório, existem estes cientistas.

Será que ele um dia irá pelos ares?

ou se desenvolverá como laboratório criando fórmulas

mais perfeitas, fazendo de todos os homens cientistas,

cientistas e reações mais harmônicas.

DIÁRIO DOS MAL-SUCEDIDOS

E novamente um passo mal-sucedido.

Alguém brincou sereno com seu sorriso.

Que me dera não caminhar assim indeciso.

Que a bola de neve não se faça

multidão de gelo seco.

Em que denúncia basearam minha

existência?

Não existe mais nem renúncia,

o cargo da vida manipulada

já está batizado por sequazes.

Em que cartazes basearam

minha renúncia?

Não tenho um coração composto,

nem vértebras no peito.

A lanterna dos “bem-sucedidos”

agita a decomposição.

O sereno sorriso

e as mãos abertas com sinceridade.

Ah... tão vislumbrei este cenário!

Nos leitos dos hotéis,

nos leites dos bordéis

subitamente se alimentam

eu e os súditos.

Os súditos aguardam, e vão

multiplicando-se.

Súbito, irrompe um rosto disforme, mas logo aparece

o laço e as paredes prisioneiras.

E tudo está novamente conforme,

com o tédio das enxurradas

e a improdutividade das cabeças de gado.

Olhos tristes, mal-sucedidos, calados,

vai seguindo meu corpo ao léu.

Aposta na sorte, mas a maquinação é cruel !

As maquinações estelares na cabeça dos

mesquinhos.

As ilusões seculares até parecem tecidos

fragmentados pelos espinhos

que se cravam, estragando os roseirais

e dizendo-se os bem-sucedidos.

A aparição dos suicidas

se sucede no sangue da calçada.

Os sósias dos espertalhões calçam

botas e vão rasgar o útero

e costurar uma bandeira.

O vento é frio,

o mundo esta garrafa trazendo

sempre uma dose de desamparo?

Não... não sempre.

Mal-sucedido hoje?

Que não seja a estaca que paro.

Os bálsamos se movimentam nos vidros

e explodem, libertando manequins das vitrinas.

As curvas no segmento da vida

se movimentam nas esquinas.

Que não se determine a morte nesta estaca.

A luz está fraca,

mas nenhum dique é tão forte.

FERNANDO MEDEIROS

primavera de 2005