Quando brilha o sol...

Quando o sol brilha e cobre de ouro a vegetação
e os pássaros deixam o refúgio acolhedor
buscando espaço para seus mais distantes vôos,
não ser o que não sou, profundamente lamento:
aquele artista que do pincel saiba dispor
na tela, aprisionando este momento divino
desta lei do deus que rege o tempo passageiro.

Essas manhãs de sol assim, com trilha sonora
de mil bandos de aves cantando a natureza, e eu,
caminhando com meus passos firmes e diretos
sinto que além do espaço visível, o que busco
é a luz que antevejo além da luz que posso ver.
Essas manhãs assim, assim como esta de hoje:
os cheiros que se transformam e que tudo envolvem,
cheiros que os magos são incapazes de criar.
E eis que o mistério deixa de ser, pra ser real.
Tudo é tão claro e translúcido como a espuma
que das ondas borbulhantes se faz champanhe
para ser servida em finas taças de cristal
brindando a excelência desta terrena vida,
ansiando para que a eternidade assim seja:
bem livre e envolta nos prazeres que faz da vida
um convite permanente para ser feliz.


Lindas são sim, essas manhãs de sol tão brilhantes.
E o meu corpo lasso molemente se espreguiça,
livre das amarras que o prendem fixando-o ao solo,
voa em direção ao distante espaço sideral,
buscando o rei que ilumina todas essas vidas,
independente da cor que reveste os seus corpos
mas, só visível para almas luminosas que
se fundem e ampliam o sonho em uma única
fonte de iluminação, completa integração
entre o homem e o mundo, canto de amor imortal.


Sol ! seu brilho de ouro nas colinas verdejantes
tal e qual as asas de mil pássaros gigantes
cobrem os espaços escuros de minha mente,
que se abre para a compreensão da infinitude.
E desaparecem todas as dores, tristezas,
a sensação de abandono, solidão total,
aqui, nesse mundo que é tão cheio de distâncias
onde o céu se torna mais azul e mais brilhante
e as nuvens que obscurecem esta dura vida
como fumaça, são levadas pelo vento .

A sensação de ser livre se amplia, multiplica
Livre das falhas humanas que endurecem a vida
inutilizando toda a ação do coração.
A alma do homem dança em festa, bailando em frenética
alegria,despojada das máscaras que
aprisionam e transformam o ser em não-ser.

Ah, o sol! O sol deixa antever um riso louco
que se espalha pelos regatos serpenteantes
em busca do rio pai e do mar, seu Senhor,
que afasta suas ondas bailarinas de can-can
deixando resquícios molhados na praia, por
onde meus passos caminham modelando o peso
da leveza que ascende minha alma até o céu,
na direção do templo em que submeto minha
vontade ao Senhor dos espaços atemporais,
onde do alto contemplo o verde iluminado
em gestos lentos de quem dança para sempre
em um baile de arrepiante transgressão.

Oh, dia! Depois da noite sombria apagastes
da memória, os pesadelos que esquecidos dormiam
e nem mais sua incômoda lembrança voltaria
a se refletir em meu corpo despedaçado,
recomposto pelo vigor do astro cintilante
que penetra em cada poro de minha alma confiante,
que se abre para a estrada do futuro de um novo
mundo que é só feito de alegria, sustentação
da nova vida que nesta manhã se inicia.

E o corpo, amarrado pelo peso da idade,
se recupera com a leveza de almas livres.
Nem parece que por todo o tempo o sofrimento,
e a desilusão por um destino tão abjeto,
circundava a vida destruindo as esperanças.
Olhos e ouvidos amortecidos duramente
se abrem como se nunca houvessem visto na vida
tão nítido caminho para ser percorrido.
E os céus que escutam e enxergam estes sons perdidos
sentindo o tremor do corpo rejuvenescido
tentando firmar os novos passos da esperança
capazes de buscar alturas além dos cumes,
movimentos sincronizados, um dia perdidos,
já rápidos e precisos como os de um ginasta
em busca do salto perfeito que o tornará
capaz de atingir tão longas distâncias, campeão
além das dimensões que o corpo conhece ou sonha,
como se não tivesse sido quem foi um dia
como se sempre fosse quem devesse ter sido:
imagem e semelhança do uno invisível.

Só assim a vida tem sentido , pelos momentos
tão sem sentido aos olhos de quem não quer saber.
Só assim a vida permanece, quando o homem
intui ser capaz de ir mais além do que pensa poder
em busca do infinito e do livre viver, fora
das grades de ossos e músculos que o prendem aqui.

Ah, antes que este instante único se desfaça
quero guardá-lo no museu de minha memória.
Fotografá-lo e no meu coração imprimi-lo.
Será perfume oloroso na minha alma limpa,
revigorante lembrança para o dia a dia
que ao ser velado por nuvens escuras e densas
novamente aprisionará a esperança fugaz
acreditando que a passagem oculta para
o doce mundo da magia e da felicidade
se encontra nas manhãs em que o sol reaparece.