Hora Uma
Sua voz atravessa o eco do meu pulmão e
Quero dar o seu grito.
Sinto mais suas linhas do que as minhas.
Você às vezes fala de você
Falando sobre partes minhas que eu
Não conseguiria ver nem se entortasse
Mil espelhos e nem se falasse todas as línguas
Que são possíveis de falar com a minha língua.
Estou todo teso dos seus medos no meu corpo
E do medo dos seus medos me lembrando
Que você é outro,
Se eu não acender rápido a luz pra
Descobrir porque você acordou o bairro inteiro
Talvez eu acorde sozinha.
Madrugada que atiça o silêncio
Trabalhando pelo zelo do sono do vizinho
E você? Tá pelo sono da Morte
Convida ela pra entrar, tomar seu vinho,
Pede que eu tranque os olhos
e que lhe solte
Lhe solte! Ou
Solte alguma coisa boa
Que não ecoa mais em você.
Seu coração tá como o esgoto dessa
cidade esgotada, sem aguentar a garoa
Nas frestas de janela afora;
É merda que não vai caber
Nem no mar que se deságua.
Lembranças e mágoas?
Nossas histórias e terrores
Descendo em todas as valas?
É aí, a gente pula da ponte
Lá no Poço da Draga...
Cadáveres invisíveis da noite
De manhã nos braços da praia
Porque nos afogamos na madrugada de hoje.