Hora Uma

Sua voz atravessa o eco do meu pulmão e

Quero dar o seu grito.

Sinto mais suas linhas do que as minhas.

Você às vezes fala de você

Falando sobre partes minhas que eu

Não conseguiria ver nem se entortasse

Mil espelhos e nem se falasse todas as línguas

Que são possíveis de falar com a minha língua.

Estou todo teso dos seus medos no meu corpo

E do medo dos seus medos me lembrando

Que você é outro,

Se eu não acender rápido a luz pra

Descobrir porque você acordou o bairro inteiro

Talvez eu acorde sozinha.

Madrugada que atiça o silêncio

Trabalhando pelo zelo do sono do vizinho

E você? Tá pelo sono da Morte

Convida ela pra entrar, tomar seu vinho,

Pede que eu tranque os olhos

e que lhe solte

Lhe solte! Ou

Solte alguma coisa boa

Que não ecoa mais em você.

Seu coração tá como o esgoto dessa

cidade esgotada, sem aguentar a garoa

Nas frestas de janela afora;

É merda que não vai caber

Nem no mar que se deságua.

Lembranças e mágoas?

Nossas histórias e terrores

Descendo em todas as valas?

É aí, a gente pula da ponte

Lá no Poço da Draga...

Cadáveres invisíveis da noite

De manhã nos braços da praia

Porque nos afogamos na madrugada de hoje.

Nia Ferreira
Enviado por Nia Ferreira em 01/05/2023
Reeditado em 01/05/2023
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