AMNÉSIA

A vida não tem memória

como a velha casa da minha avó

que sequer se lembra do meu passado

Dos pés de manga que me açucararam a infância

nenhum deles me reconhecem no sombrear

das calçadas por onde regresso ao passear

e a mercearia do Seu Bartolomeu

há muito já foi derrubada

e nem uma placa comemorativa

ficou afixada nas novas paredes do lugar

A vida não nos fotografa

registra, evoca ou nos guarda

nos escaninhos higienizados do tempo

que se pudesse de si mesmo recordar

apenas veria o ocorrer flagrante do agora

E no estreito espaço da vida

por onde atravesso e me desloco

nada vai de mim relembrar

pois a vida é tão somente

uma longeva velha senhora

alheia, descuidada e esquecida

que vive padecendo de amnésia

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 15/05/2023
Reeditado em 15/05/2023
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