CHEGUEI TARDE AO POÇO

Os saciados

Saíram, sacis

Saíras, serelepes

Provocando

Os mais afoitos

Chegaram, brigaram,

Derramaram

A metade

Bebeu a outra

Ficou a espera da sede

Da fila, da inveja

A raiva, a imensa

Terra seca

Pela frente

O poço

Visitado sempre

Por aqueles que

Também não bebem

Não têm culpa.

Se em poço

Tem água pouca

E derrama

Há um imenso derrame

De inocentes

Almas que imploram

Que pedem

Aos que já foram

Já vão

Vão tarde

Ficam esperando

Aguardando a decisão

Mas vou dizer

Sou assim

Sei que é assim

Cheguei tarde

Apenas uma mão

Junto da outra.

Um copo

Uma taça

Uma cisterna inteira

Teria

Se não fosse

Uma sina

Mesquinha

Sem compaixão

Sozinha

Vinda ao poço

Vejo a revolta

Os que nele cedo

Bebem sem medo

Com as mãos

Com a boca no chão

No fundo do poço

Não tem o pescoço

Na corda

Caçamba

Não tem quem acorda

Mais cedo

Não samba

Cheguei

Tarde ao poço

Agora faço

Das minhas tripas

Da minha sede

Um roteiro

Uma oferenda

Ofereço.

Vendo a alma

Falo que água

É veneno

Falo que a vida

Vivida ao sereno

É mais vida

Que passada

A rancho pleno

Falo, canto,

escalo, espanto.

Faço das tripas

Tempo corrido

Faço da minha

Simples vida

Moldada nos santos

Pra também beber

E a bem da verdade

Devo dizer

Sou assim

Cheguei tarde

No entanto

Vi passar

Vidas, tantas vidas.

Nos trechos de ida

Sedentas

Nos trechos de volta

Mais contentas

Assim acho

Que vou fazer

No meu canto

Um poço

Que sem água tenha

Pelo menos

Um pouco de encanto.

-Qué bebê???

-Vou te oferecê!!!

SP, 04/06/05