RADIOATIVO
Mas o poema não pretende o meu sossego;
apenas lhe importa saber se de fato mereço
um tempo todo afastado de mim mesmo
e, cada vez, muito mais tempo nesse intento
de estabelecer um verso no apartamento
sem alicerces da poesia. Ele atua em silêncio
de modo tal do álcool no alcoolista — lento
e ágil e progressivo e disfarçado e sedento.
É um ácido corrosivo que o cogita por dentro
e exige tudo no compasso de um movimento:
o da engenharia inversa que ergue sem cimento
e sem signo e sem significado e sem unguento
que alivie o poeta desse desvão do abafamento
de se trabalhar onde não lhe dão o pagamento.
Feito um arquiteto no escuro, risca o elemento
do nada — e que se liquefaz no próximo vento…
Uma doença que nunca há de querer meu alento:
um câncer da usina nuclear do meu pensamento.