CALENDÁRIOS

Raiva nas trevas o vento

Sem se poder libertar.

Estou preso ao meu pensamento

Como o vento preso ao ar.

Fernando Pessoa, em Fúria nas Trevas o Vento

A minha encarnação é cheia de vazios,

esses hiatos que não serão preenchidos

— são os nadas, seus únicos inquilinos…

Tento pertencer aos minutos, aos giros

que o dia empreende sob mil figurinos,

todavia, por ele, nunca fui empreendido

— e não pertenço e nem sou pertencido.

Nas mãos, faltam-me as linhas do destino

— vejo o vento entrelaçado ao batente frio,

enquanto sequer ao poema possuo vínculo,

mesmo que poeta seja meu primeiro ofício.

Ninguém reclama quando falto e eu só sinto

falta se fico sem o furta-cor do comprimido

das sete e das nove e das onze e o das cinco.

Na segunda, desmaio entre papéis e arquivos,

teclado e tela, e planilhas e ordens de serviço.

Na terça, sou a cova rasa que flutua invisível

sobre as lápides empoeiradas dos meus gritos.

Na quarta, não sei bem: estou morto ou vivo?

Na quinta e sexta, tudo parece com os espíritos.

No sábado, eu morro — no domingo, ressuscito.