ALDEIA DA ALMA (1)
EXTÁTICO
O que se espera
do chão onde se pisa,
da hora mais que imprecisa?
É o momento de se estar parado,
extático,
rumorejando, rumorejando.
Um soluço se ouve
em madrugadas de calor,
o soluço implícito
que se espera da mão que agoniza,
da rede que formaliza.
Estar a rumorejar,
sem atitude.
Tudo se separando em volta.
Uma solidão desenvolta.
O fustigar
de cada gota de dia.
É mais do que lamentação
que se finge de mistério.
Um sentimento de mundo
que escraviza.
Um sacramento moribundo
que suaviza.
Extático, entre a escuridão
dos cômodos
e a exatidão dos modos.
Extático... Extático...
PONTO FINAL
O lenço faz um traçado de adeus,
quimera perdida,
o ajuste de contas com a vida.
Uma aldeia desflorece,
é hora de prece,
é hora de adeus.
Qual é o último homem que venceu?
O lenço faz
uma circuncisão na lágrima.
De tristeza se falou
muito no gélido cometa.
Um silêncio denuncia
a sua última hora.
Depois, vem o gemido
maciço dos que se perdem.
É hora de adeus,
mas o adeus nunca chega,
demora a chegar.
Fica a aldeia da alma,
com sua paciência infinita.
Qual será o ponto final?
Onde cintila a renovação do acaso?
Fica o ponto final.
Final de história,
de vida gotejando.
Final de sangue.
Final de glória.
O circular faz seu giro,
e está aí o ponto final.
Onde tudo se acaba,
e o homem, que já venceu,
derruba castelos de ambições.
De tristeza se enche
o ponto final,
onde tudo aguarda seu fim.
A existência perturbável
da palavra sem fim
lavra o seu ato: o ponto final.
Projeto inconcebível.
PAZ
Pretende-se a vida renascer.
O melhor vai frutificando
a fortificação que nos garante.
Tanto desespero nos põe adiante.
Tanta decepção nos alardeia.
Na aldeia das luzes
tudo será diferente.
Pretende-se a vida,
vencer no caminhar pacífico,
por léguas flutuantes.
A fortificação que nos garante
estar firme com fé em Deus e um horizonte adiante
é garantir uma casa florida.
E suspirar a paz, a paz, a paz
pela vida.
PASSEIO
Passei hoje por um humilde caminho,
e a felicidade ensaiava um coro.
As flores representavam
sua orquestra florida.
E eu me satisfazendo com a vida.
Luzes brilhando além rumo.
O sumo da concórdia
como um sol poente.
Sorridente é esta lição
que traguei depois da derrota.
Mil caminhos existem,
não há o que determine
Tanta luz.
Está presente a alma
que sempre sonhei para a fantasia.
Penas de pássaros recaem pelas alamedas.
O medo se esmorece.
A vida vence suavizada.
É este o passeio da paz.
É este o refletir da vida.
EXPECTATIVA
O que se revela, então, na hora que nos cobre
feito um manto sem sim?
O que me descobre, sim, é a dúvida da chegada
de mais um impulso que me faz ficar.
O que se revela, assim, é um figura retalhada
entre os fatos opressores que se atraem nos imãs infinitos.
O que se traz na bagagem do falso sonho
do projeto que se desfaz em pó?
O que se espera, então, da vida
é sua própria desintegração,
num relâmpago fatídico que encobre rostos
que criei para cada fato.
E foi, assim, que esperei poetizar os lírios que crescem por si.
Mas os meus crescimentos estavam marcados de recusa e de angústia.
Tudo se resumiu no pó armazenado gosto a gosto, sustento vão.
No vão da porta, o sentimento de mau gosto.
Colecionei cada rosto para o tiro ao alvo.
Não querer carregar o fardo de uma intensa derrota.
Bota a Bota esmagando a própria lama.
O que se revela de nós se nem de mim sei qual é o recado?
Se nem de mim sei qual é a renúncia...
Tudo que se resumiu do peito fuzilado bala a bala.
Não saber de quem parte o laço que arrasta
o vaqueiro em meio ao pasto.
O que se revela
por mim não tem espectro,
não tem equação.
No parque residencial, vegeta no jardim
a arte que se esconde de mim.
O que faz a sua evolução descarrega uma dinamite
sem fim sobre a estratégia da mente apática.
Uma cara simpática ainda sorri para mim.
As últimas evoluções da esperança.
A fria questão amarga que segura a minha bagagem.
E a descarga de tudo o que guarda no choque dos vários
reflexos que se reserva.
Dentro do crônico coração em conserva.
Expectativa...
FERNANDO MEDEIROS
primavera de 2005