Constatacão

Reflete aos o corpo que é meu

Sei que pertenco e estou dividido

E me causo espanto nú defronte ao espelho

Quando constato boquiaberto existir

O lado de dentro, o lado de fora

Um homem de frente que é o mesmo de costas

E tenho um lado direito, tenho um lado esquerdo

(Ah Deus do céu, tudo são dois!)

São dois olhos, duas sombrancelhas

Este corpo que inspira e expira

Um só nariz, porém duas cavidades

Duas abas negramente largas

Uma só boca que a dualidade afirma

Que tem cá esta e de cá a outra bochecha

Um lábio superior e o outro inferior

Os dentes de baixo e os dentes de cima

E são dois os bracos, os cotovelos e as mãos

Duas coxas, dois peitos, dois ombros

Um só pênis acompanhado inseparavelmente

De dois testículos á temperatura ambiente

São duas as pernas que me sustentam

São dois os joelhos que se vergam

Para permitir plantar a flor e fazer nascer um verso

Onde não me vejo e sei saber do meu interior

Tenho dois rins, dois pulmões,

Dois lados de costelas que se fecham em uma caixa

E protege habilmente um só coracão

Dividido em aurículos e ventriculos

E são duas veias grossas que chegam e que partem

Uma artéria e a outra venosa

E sangue esparrama em minha carne

Irrigando com vida minhas partes

Porém lá dentro onde um flash não alcanca

Onde nasco e arvoreio sentimentos

Não há mais divisões, não há dualidades

Sou somente complementariedades

Pois a saudade e a presenca são elos da mesma corrente

Que prende facilmente ao passado e ao presente

Meu ódio não é um irmão desconhecido

Simplesmente se apresenta como extensão do meu amor

E moram juntos a linha tênue que equilibra

A minha paz e a minha dor

Onde a candura e a secura se amalgamaram

No caldo doce e suculento da mesma fruta

E meu desprezo e minha inigualável amizade

São águas derramadas na mesma moringa

Esquecida num canto sombrio da sala

E o verso que me invade o pensamento

É parido incessante na manjedoura

Onde rebentam siameses meu canto

E o meu silêncio