Só a saudade falará por ti

Quem era você/

Senhora de alta idade/

Cabelos brancos como algodão/

Que eu sabia por nome/

Das amizades do homem/

Minha mãe me passará esse legado/

Afinal tesouro são os amigos/

Que a gente custa a aprender/

Pelo que assistia/

Na passagem dos dias/

Simplicidade era sua identidade/

Embora no seu silêncio/

Houvesse no âmago uma grande lida/

Não traduzida e nem reclamada/

Na leitura dos teus sorrisos/

Tão pouco na expressão das linhas do teu rosto/

Sem vaidades ficava no cercado de muro/

De sua casa, única dali, ainda em madeira/

Sob a sombra de uma ilha, com pouca árvore/

Como a se distrair/

Das suas adversidades/

Por horas ficava ali/

Assistindo o passar/

Das várias pessoas desconhecidas/

Vizinhas ou poucas amigas/

Daqui pra li/

De lá pra cá/

Uma conversa rápida/

Um aceno ou simplesmente um cumprimento/

De olé, olá a bom dia/

Assim, ficavas e te eternizadas Raimunda/

Culturalmente conhecida, como bibita/

Na rua Assunção, de uma localização/

Bem restrita/

Tantas vezes a vi lá/

Com sua bata azul clara de dois bolsos/

Quando não era uma branca, de pano modesto/

Coroa de respeito na cabeça ao sol/

Que quase todos os dias iluminava/

Eu fazia questão/

E por ali passava/

Só pra ver/

Servir-me do teu carinho/

Ser digno de merecer/

Como a me sentir no tempo/

Cujo ouro do amor era dar e receber/

Uma atenção ou moral/

Há pouco ouvir dizer/

Que como princesa adormecestes na morte/

Agora que não mais/

Te verei quando passar/

Só a saudade haverá de por ti falar/

Aos meus olhos/

Que tu me vias/

Como aquela criança/

Que pinta o sete/

No colo de qualquer maternidade/

Homenagem a dona Raimunda, uma senhora da minha infância.