Versos que tirei da gaveta (1) - Coisas do mundo
Aqui reúno, provisoriamente, versos escritos desde a juventude, devidamente revisados, editados. O que um dia foi desejo de revelar-me a leitores imaginários, hoje são lembranças de momentos vividos, quase todos esquecidos nas gavetas e nas memórias cobertas de poeira etérica e astral.
1. TROFÉUS
Troféus são lembranças
Lembranças são troféus.
Cabeça de animal empalhada
Bibelôs, medalhas, poeira acumulada
Armas antigas em caixas de vidro.
Nas velhas gavetas, poemas antigos
Fotografias da família, dos amigos
Flores secas entre as folhas do livro.
Cicatriz de cirurgia na barriga
De acidente com faca no dedo
Manchas na pele, nos dentes, nas íris.
Mágoas de sentimentos traídos
De quaisquer sentimentos sentidos
Pela vida afora, no peito guardados.
Guardamos troféus, cicatrizes, memórias
Que a vida nos deixa, tatuadas na mente
Pelos cantos da casa, no corpo da gente,
Gravadas no sangue, adormecidas, indeléveis.
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2. SERRA DO MAR
As montanhas são homens gigantes
Tombados em tempos ancestrais.
Descansam seus corpos minerais
Esquecidos para sempre.
Mata Atlântica, destroçada mortalha.
Por que tombaram, em quais batalhas, ninguém sabe.
Brumas tecem véus. As montanhas contra o céu
Resgatam miragens da memória dos viajantes.
As nuvens da serra são pensamentos
De saudade e de homenagem.
Pela manhã, são fresca aragem
À tarde chovem sentidos prantos.
Pensativo, imagino a glória
Daqueles seres pré-minóicos,
Misteriosa raça dos gigantes.
O tempo ainda escreve a história,
Mas findaram os tempos heróicos,
Nada mais será como antes.
(Curitiba,15.03.93 )
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3. ANHANGAVA, HORTA DE POESIA
Hoje não fui à feira
(Feira do Poeta)
Consumir a poesia
Da intelectualidade dominical.
Escalei o ANHANGAVA
Fui garimpar sensações,
Colher ideias básicas
Telúricos sonetos
Floreados tercetos
Aromáticos versos
Trocadilhos ardidos
Temperos sintáticos
Que a Natureza costuma plantar
Na minha cabeça
Na Serra do Mar.
Ao sol da manhã
Passeio entre as pedras
Folhagens selvagens
Desta horta-jardim.
Colho metáforas
Sentimentos empáticos
Improváveis vivências
Existentes nas plantas
Nas cores do céu
Nas nuvens, ao léu
No ar da manhã.
A serra é um poema
As montanhas, seus versos
As criaturas, palavras.
Cada folha, cada flor
Cada pena de passarinho
Cada minhoca no solo
É uma letra, uma vírgula
Um fonema, uma rima
Um ponto de exclamação!
Com tanto oxigênio
Fiquei embriagado.
Lá embaixo vejo os carros
Pequeninos, de brinquedo.
Curitiba, tão longe
Quase não dá pra ver.
Alô Luiz Renato!
Gostei do teu show.
Alô Stella e Rollo!
Farmacêuticos inventores
Da homeopoesia
Pequenas doses líricas
De humor e alegria.
Alô Valdemir!
Como vai Camboriú?
Cala a boca, não responda
Essa rima indecente
Não a digas tú.
Hoje vim pro Anhangava
Por isso estou aqui.
No domingo que vem
Eu vou pro Marumbi.
Domingo é dia de feira
(Feira do Poeta)
Venho colher na horta
A poesia não escrita
Direto da Natureza
Toda essa beleza
Que está aí, de graça
Basta respirar.
(Feira do Poeta, nos anos 1990, era um evento cultural permanente de Curitiba, Paraná.
Anhangava e Marumbi são elevações da Serra do Mar, de acesso relativamente fácil, de onde se contempla Curitiba ao longe, o planalto, o mar e a própria Serra do Mar)
© 1 9 9 5 M a r c o A n t o n i o M o n d i n i
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4. MÁRQUETIM MICS
A Casa Verde já deu
Cem voltas ao redor do sol!
Para o distinto público atrair,
A vitrina exibe vidros de compota
Com pedaços de breu virgem,
Enxôfre, nogueira, parafusos
Cobras e piranhas conservadas em formol.
Assim é a fachada verde
Da Casa Verde, ansiã senil e trôpega
Com seu vetusto "márquetim mics".
A Casa Verde tem o mais variado sortimento
De coisas que não se usam mais.
Há cinquenta, cem anos competia
Com a Casa Vermelha, Casa Amarela, Casa Azul,
Na guerra comercial de cores vivas
Dos tempos da fotografia sépia.
Para não consumir rápido demais
O tempo que lhe resta viver
A Casa Verde acende apenas duas
Lâmpadas incandescentes
De "cincoenta velas" cada
Para iluminar prateleiras e gavetas,
Trecos, tarecos e rosetas,
Poeiras, mistérios, chavetas
Que ficam atrás do balcão.
Dois senhores idosos e magros
Com guarda-pós velhos muito brancos Atendem aos Senhores Fregueses
Com elegância, distinção e graça:
"São duzentos contos, senhor."
"Não trabalhamos com isso, meu rapaz."
"Vai fechar para o almoço."
"Sim, fecha para o ângelus também".
Meu filho pequeno olha a vitrine pintada de verde,
A cobra nojenta conservada em formol,
Sem entender do que se trata.
Olha o breu, o enxofre, os parafusos de latão.
Ele parece olhar o passado distante
Por uma janela que atravessa o tempo
Estranho tipo de televisão.
(Casa Vermelha, Casa Verde, Casa Amarela foram importantes casas comerciais de Curitiba-PR, até a metade do século XX. Nos anos 1980, a Casa Verde ainda existia e conservava seu estilo de “secos e molhados”. Na vitrine expunha curiosidades: peixes e cobras em vidros com formol.)
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5. LÁPAROS PÂNDEGOS
LÁPAROS PÂNDEGOS
COMEM PÊSSEGOS.
CIGARRAS BÁRBARAS
ENTOAM CÂNTICOS
ENTRE CRISÂNTEMOS
PARADISÍACOS.
Baratas trôpegas
No bar de Alcebíades
Com hálito alcoólico
Escrevem epístolas
À luz de relâmpagos
De elétricas lâmpadas.
As proparoxítonas
E palavras exdrúxulas
São rimas fonéticas
Sempre estrambóticas.
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6. FRESCURAS CURITIBAIS
Como é fresca Curitiba
Nas manhãs primaveris.
Trezentona com perfume
Dos antigos pinheirais.
Nessas ruas domingueiras
caminham cidadãos burgueses
Sempre bem apessoados
Da cidade sem igual.
E tem os fedelhos abandonados
de cabelos encarapinhados.
São eles os únicos culpados
De serem desgraçados .
Curitiba das manhãs frescas,
Verões e invernos elegantes,
Maliciosa donzela.
Garota propaganda do urbanismo
Se acha muito mais bela
E balzaquiana que Paris.
Curitiba, no café da manhã,
Como combina contigo
Comer aipim cozido,
Pirogui, confeitos folhados
E bolo com leite quente!
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P O E M A S N O T U R N O S
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7. INSÔNIA DE UM OPERÁRIO DO INTERIOR
Noite de lua
Saio pra rua
Caminho bastante
E volto pra casa.
Se saio da estrada
Vou pelo campo
Sigo as trilhas
Das vacas de leite.
Vou pelo rastro
Que as vacas fizeram,
Para chegar
Onde estava antes.
Ah, triste doce trilha
Que o gado riscou
Na face da Terra
Transformada em pasto.
Tem pirilampos
Na beira da trilha
Já desalados,
O inverno chegou.
Pinguinhos de luz
Semi-apagados
Estão semeados
Para o próximo verão.
Tem cogumelos
(guarda-sóis-de-sapo)
Iluminados
Pela luz da lua.
É cogumelo
Que ontem não tinha
E que amanhã
Não mais haverá.
Face da Terra
Imenso prado
Docemente Iluminado
Pela luz da lua.
Tem um cavalo
Andando no pasto
Come de noite
Trabalha de dia.
As vacas deitadas
Fazem seu leite
Ruminando pacientes
Insônia e fantasia.
Esse é o futuro,
Presente e passado
Mundão limitado
De um lavrador.
Face da terra
Transformada em pasto.
(1974)
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8. NOITES ANDEI...
Noites e noites andei
Murmurando cantos
Solenes aleluias.
Perambulei
Por campos cobertos
De capim e de luar.
As vacas me olhavam
Ruminando sempre
Bolotas de capim.
Noites e noites andei
Ouvindo estrilos de grilos
Procurando, no escuro, mistérios
Que à luz do dia não conseguiria ver.
Pedalei, também,
Centenas de léguas
Em caminhos sinuosos
Margeando pequenos rios
Procurando a fonte da solidão
Procurando a fonte da doçura
Com que se formava
Minha estranha paz
De andarilho lobisomem.
Procurei no ar frígido
Das madrugadas frias
O amor das ninfas
Pressentidas e nunca encontradas.
Noites vivi, perambulando
No fundo de vales úmidos e frios
À margem das pequenas cidades
Procurando no escuro
os mistérios da luz.
Eram desejos da luxúria
Que ao lobisomem não satisfaz.
Eram desejos de beijos
De abraços e coitos
De amores improváveis
Buscados em cada janela
Celeiro ou quintal.
Noites andei, andei
E prossegui caminhando
Sendo apenas um portador
De amorosos poemas
Que nunca escrevi.
Até que as madrugadas fizeram
Geada em meus cabelos.
Só então
Minha jornada amanheceu.
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9. ANDARILHO
Alma de andarilho
Poeta vagabundo
Busca prazeres quaisquer
Percorrendo as estradas
Passando pelo mundo.
Cantarola cantigas
Lembranças antigas
Lânguidas notas
De imaginária doce flauta.
Mira os montes,
Os vales cultivados...
Respira o ar das matas
O frescor vegetal...
Ou vaga pelos cerrados
E sorve o mormaço...
Ou bebe nas fontes
Que brotam nos recantos...
Andarilho Poeta
Alma ambulante
Não compartilha a vindima
Da civilização...
(1975)
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10. TRILHA DAS RESES
(versão de Insônia da Res)
É noite, no campo.
Eu vou pelo carreiro
Que as vacas fizeram,
E vou sempre chegar
Aonde já estou.
Ah, triste doce trilha
que o gado humano rabisca
na face da Terra
Transformada em pasto.
Tem pirilampos
Na beira da trilha
Já desalados
O inverno chegou.
Pinguinhos de luz
Semi-apagados
Estão semeados
Para o próximo verão.
Tem cogumelos
(guarda-sóis-de-sapo)
Iluminados
Pela luz da lua.
É cogumelo
Que vive um dia
Que ontem não tinha
E amanhã não terá.
Tem um cavalo
Andando no pasto
Come de noite
Trabalha de dia.
E as vacas deitadas
Fazendo seu leite
Ruminam pacientes
Insônia e fantasia.
Face do planeta
Transformada em pasto!
(1976)
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11. NOITE GELADA
Silenciosa e gelada
Iluminada noite
De luar e vultos misteriosos.
Noite lúcida
Que amei pela pureza
E solidão serena.
Noite de éter metálico
Estrelas distantes e frígidas.
Embriagante sensação
De vagar num planeta sem sol,
De flutuar na atmosfera translúcida
Gelada e silenciosa.
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12. CHOVE, CHUVA!
Chove, chuva, vai chovendo
Molha, chuva, vai molhando
Vai mudando
Meu sentir, meu pensar.
Chove, chuva, vai caindo
Em véus brancos, vaporosos
De vento e gotas geladas.
Molha tudo, os telhados,
As árvores, as ruas.
Molha também os incautos
Que esqueceram o guarda-chuva.
Gela, chuva, vai gelando
Meus braços, meus ossos.
Esbranquiça, chuva,
o Morro da Cruz.
Funda seu cume
Com o branco do céu.
Vem, chuva, vem caindo
Estalando, molhando
Os paralelepípedos
Entristecendo a rua.
Lembro quando sacudia árvores
Para molhar alguém
Ou meus próprios cabelos.
Lembro de quanto era gostoso
Brincar na lama da estrada
Esguichando poeira empastada
Entre os dedos do pé.
Continua, chuva, continua vindo
Vai ficando sempre mais frio.
Me fala de quanto é gostoso
O aconchego do lar
O quentinho da cama, da luz, do tapete.
Melancólica chuva, eu gosto de ti.
Chove, chuva, vou ficar olhando
Os pingos malabaristas
Que brincam nos fios da rede elétrica...
(1973)
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13. FÊNIX MECATRÔNICO
Cinco manhãs por semana
ergue-se um novo pássaro
pneumo-tele-meca-trônico-
ultra-giga-auto-mático.
Renasce das cinzas
da fogueira urbana diária
de trabalho e informação.
Noutras duas manhãs,
ressurge um animal
lânguido-zonzo-sensual-
psico-famélico-somático.
Sonha com flores e anjos
e tem grandes olheiras
nos olhos do coração.
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14. PAINEIRA
Paineira florida em abril
Depois que o verão acabou
Primavera temporã.
Sonho de mocinha viçosa
Enquanto o plátano amarela
Ela veste cor-de-rosa.
Paineira coberta de flores
Esparrama pétalas ao vento
Prepara seus ninhos de algodão.
Paineira cor-de-rosa em abril
Prepara ninhos de láparos
Para as sementes que virão.
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15. PEDRA CAÍDA
Templo oculto no cerrado
Sacrário de sensações e encantos
Acolhedora vulva de pedras e águas
Perfumosas plantas, raízes, folhas
Flores, orgasmo de cachoeira
Que dura eternamente.
(Pedra Caída é um local de turismo ao norte de Tocantins)
Imperatriz – março/1981
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16. COGNAC
Dessa coisa
Basta um gole
E a gente
Fica mole.
A gente bebe
Pra friagem
Depois,
Se abre a boca
Fala bobagem.
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17. CAPELA DE GUARICANAS
Nasceu capim no telhado da igreja
E a parede ficou escura por fora.
Na hora que o padre marcou
Sempre vai gente na missa.
Sábado à tarde, banho tomado,
lavanda, jasmim
O vento balança o capim
Que tem no telhado da igreja
E sacode a batina do padre
Que fala com Deus lendo o livrinho
Andando pra cá e pra lá.
No meio da valada tem um monte
Em cima dele, a igrejinha
No telhado da igreja nasceu capim
E tem o vento, as nuvens, o céu...
Vários níveis de eternidade...
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(*) Guaricanas é um bairro rural de Ascurra- SC, onde viveram os avós do autor. Hoje está
praticamente despovoado.
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18. CATEDRAL DE ACÁCIAS
Colunas ramificadas, surpreendente catedral
O bosque abobadado do capão de acácias negras
Jardim profano, natureza sobrenatural.
Na sedosa sombra, elevo o pensamento, certo,
Pelo rendilhado das folhas delicadas
Olho o céu, espaço aberto, tão azul, tão deserto.
Na sedosa sombra do templo de árvores
Voejam querubins em alegres folguedos
Felicidade indizível, tão aprazível lugar.
O vento nas folhas, quase inaudível, é música
De mirífico órgão soprado pelo tempo infindável.
Ouço o canto madrigal dos pequenos pássaros.
Um bando de meninos invade o tapete de grama
Faz algazarra, atrás da bola de futebol,
Seu gorjeio intenso chega alegre, e logo se vai.
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19. FILHO
Meu filho dorme sereno
E fico feliz.
Descansa e cresce o corpo moreno
É suave seu semblante
São suaves seus sonhos.
Deus proteja este menino
Sua beleza será meu orgulho
Seu saber, minha certeza
Sua força, minha força
Seu equilíbrio, minha alegria.
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20. SEXTILHA CÍVICO-IDEOLÓGICA
Para o amarelo, sou azul
Para o azul, verde eu sou.
Quem sabe terei sido branco
Para o amarelo que nunca fui.
Ou serei de fato o vermelho
Que não tem no pendão nacional?
(não procure o sentido, não tem)
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21. RIO DO OESTE, MEU BERÇO
Hino e poema, sátira
No mormaço das tardes quentes
Cresce o arroz, nosso ouro bendito
No inverno, tem geada ou cerração
Tem laranja e caqui nos quintais.
Nas escolas crianças atentas
Aprendem amar a pátria e as ciências.
Nas várzeas férteis e encostas dos morros
Segue a vida, conformada, morna e lenta.
Aqui, nas festas se come polenta
Aipim com linguiça, churrasco e cerveja
Rio do Oeste é uma terra abençoada
Quem nos abençoa é a Mãe Consoladora.
De repente lá vem a enchente
Salvem os móveis, salvem os bichos
Cidade e arrozais alagados, bosta boiando
É a Veneza catarinense.
Rio do Oeste, teu lema é ordem e trabalho
E o progresso? Deve ser coisa estrangeira.
Temos nossa vida e nosso jeito de ser
Temos o consolo da Mãe Consolata.
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EM TEMPO: refiro-me à cidade de Rio do Oeste, SC, de 50 anos atrás, quando eu lá vivia, criança e adolescente. Muita coisa continua igual, como as enchentes periódicas, mas o progresso parece que agora deu as caras naquelas bandas. Benza Deus!
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22. HOMENAGEM A UM POETA
Este poeta inventou a poesia em
Cápsulas homeopoéticas.
Exemplo:
"Rosa não usa zíper
Rosa usa botão."
Rollo de Rezende
Pergaminho que recende
A eucalipto e cafezal
Fonte de água mineral
Poeta, boêmio, coisa e tal...
Se todos temos um papel na vida
O teu é de seda, virou pipa
Nos infidelíssimos ventos
Do espaço cultural.
Quem não entende a arte
Não entende a forma tua
De anjo humano que atua
Nas receitas alternativas
De a gente ser feliz,
Culinária de palavras poéticas
De receitas estéticas
Feitas de cantos de passarinhos
E pétalas de flores
Do jardim espiritual.
Tuas cápsulas homeopoéticas
São doses de vida saudável
Que se toma ao natural.
Fizestes elas tão belas
Que eu, lendo algumas delas
Fiquei inspirado, virei poeta
Quase escrevo um jornal.
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23. PSICOSE - (à la Dalton Trevisan)
Essa demora...
Ela se matou!
Ai meu Deus
Só pode ser.
Ela é louca pra isso.
Aquela conversa...
Eu não queria falar
Acho que exagerei
Falei muito seco.
Mas falei a verdade
Pra acabar de uma vez.
Eu gosto dela
Ah! Se gosto!
Mas não quero confusão.
Lá vem ela!
Desgraçada!
Feliz da vida!
Ela vive atrasada
Me deixou preocupado
Sou mesmo um panaca!
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24. OXOSSI
Gunaiá está certa
Diz que sou filho de Oxóssi
Orixá caçador
Espírito de fato.
Pois olha, de fato
Me sinto bem
No meio do mato.
Se há prazer é no ato
De vencer uma trilha
Caminhar uma milha
Levar caça pra família
Subir na copa de árvore
Acertar passarinho
Tirar ovo do ninho
Descansar sentado na pedra
Afiar a faca, fazer uma flexa
Fazer isso todo dia
Tudo isso é terapia.
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25. NOITE DE QUARTO CRESCENTE
Silenciosa e gelada
Iluminada de luar
Paisagem de formas vagas
Noite lúcida que amei
Pelas suas poucas estrelas
Pela solidão serena que me envolveu.
Noite de éter metálico,
Estrelas distantes, frígidas.
Embriagante sensação onírica
De vagar num planeta etérico,
Flutuar no espaço translúcido
Gelado e silencioso.
Noite silenciosa e gelada
Pontilhada
De estrelas e formas vagas.
Noite lúcida que amei
Pela pureza do ar
E pela solidão feliz
Que me envolvia.
Noite de éter metálico,
Estrelas distantes e frias,
Embriagou-me a sensação
De pisar um planeta deserto
Flutuar no espaço
Imenso, translúcido
Gelado e silencioso.
(Em tempo: nunca fumei nem cheirei nada estranho)
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26. NATAL
Choveu à tarde
De um lado, arco-íris
De outro, pôr do sol.
Telhados molhados
TERRA
NATAL.
RIO DO OESTE é assim:
Aguaceiro na noite de Natal
Cai uma chuva forte de verão
As janelas ficam abertas durante o jantar.
À meia-noite, calor
Vagalumes, missa do galo
Trinta e cinco anjinhos
Cantam "Noite Feliz".
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27. NIRVANA
Paro, olho a vida que me cerca nesse instante
A luz de um Buda vem à minha consciência
Vejo o Nirvana de portas abertas
Basta fazer as coisas certas
Cumprir o dever, e basta
Deixar a vida se transformar em pó
Abrir mão dos desejos
Minimizar a Esperança
Aceitar as perdas e toda mudança
Engolir o ódio, a vaidade, o medo
Ter coração de criança.
Sou uma vela acesa
Que um dia termina.
Arrepio de emoção, sensação de frio
Sentimento de nobreza, formigamento de susto
A morte nos pega sempre desprevenidos
O arrepio acompanha o medo
A certeza é o segredo que o Buda nos traz
De em breve possuirmos a paz.
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28. AO CÉTICO ACADÊMICO
Ria dos que acreditam em mitos
Fogos fátuos vindos do além.
Ria deles, mas ria de você também,
Pois tua mente famélica descobriu o nada
E por soberba precipitou-se nele, desgraçada.
Ria deles, e ria de ti mesmo
Da tua audácia nadificante
Pois os crentes riem contentes
Do palhaço da televisão
Enquanto tu, descrente, solitário
Perambulas no frio das trilhas
De uma montanha deserta
Para chegar a lugar nenhum.
Racionaliza tua crença invertida
Finja fortaleza, faça de conta que é divertida.
Seja um filho do nada, do pó, do vazio,
Goza tua liberdade infeliz, sem sentido
Não pertences a ninguém, nem a ti mesmo,
E fica tranquilo, os anjos virão te buscar
Quando não puderes impedir.
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29. CARAVANA NO HORIZONTE
Caravanas de nuvens escuras
Navegam sobre as ondas gigantes
Do horizonte da Serra Geral.
São caravelas épicas, trágicas
Fugindo da guerra, do fim dos tempos
Levadas pelos ventos, para nunca mais voltar.
Buscam novas terras para desaguar.
Grandes nuvens cinzentas navegam
O horizonte, cobrindo o sol que se vai.
Almas angustiadas seguram as lágrimas
Nas caravelas do apocalipse.
A desgraça transformou-as todas
em vapor condensado e triste
Que anseia pela hora catártica
De afinal espargir-se na terra
Na forma de lágrimas frias.
No alto do céu nuvens brancas
Ainda recebem a luz do sol
do dia que está no fim.
São seres de outras eras
Que não precisam fugir.
As brisas da manhã as trazem
O ventos das tardes as levam.
Mas no horizonte o comboio
De nuvens cinzentas prossegue
No êxodo inexorável sobre a serra.
Uma raça inteira foge
Em naves de nuvens da guerra.
São caravelas do apocalipse
Vapor de vida reduzida à esperança
de encontrar terras férteis além.
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30. MISTÉRIOS DA VIDA
Matuta o caboclo da roça
Pitando o imenso palheiro
Acordado na porta da palhoça
Buscando o saber verdadeiro.
Por que o céu é azul, o mato é verde
A água é branca, mas o mar é azul
A laranja é amarela, tudo tem cor
No leste, oeste, norte e sul?
Alguma explicação existe
E dá-lhe o matuto a pensar
Pitando o palheiro, insiste
Na filosofia, ao luar.
Deu a TV que a terra de longe é azul
A água é azul, a atmosfera também
O sol é amarelo, e quando mistura
Azul e amarelo, surge o verde. Amém.
Agora, entendendo tudo
Mas sem compreender direito,
O caboclo conclui, e exclama
Com sabedoria e aquele seu jeito:
- POISÉÉÉ...
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31. LÓGICA DA PAIXÃO
Por que a paixão toma conta da gente?
São leis matemáticas ou circunstâncias?
Os corpos se atraem na razão dos hormônios
E na proporção inversa das distâncias?
Tantas vezes a vida já foi comparada
Ao rio que desliza rumo ao mar.
Há rios de montanha, há rios de planície
Todos têm seu tempo, cada um seu lugar.
A questão é que a alma, quando enlouquece
Faz dos sentimentos uma corredeira
Ou um lago manso, no convexo do outeiro.
A paixão tem lógica, sim, é a vertigem do rio
Que desaba no abismo, numa cachoeira
Por um instante incontido, se joga inteiro.
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