DESORDENS

Mesmo com o tempo, eu jamais entendi

as escalas e as intensidades do equilíbrio

existente entre o verso final, o que ele diz,

e o que, de verdade, o escriba notou e quis:

qual é a diferença da imagem e da sílaba?

Nunca e ninguém é ou será realmente livre,

desamarrado de espírito e de corpo, e solto

feito uma pipa voada, sem cabresto e dono:

não conheço nada 100% e puro de arbítrios.

— Temos alguns cofres ocultos no estômago.

Nenhum poeta estoca nas mangas a metáfora

de reserva e peças de quebra-cabeças mágicas

que encaixem as suas seleções na hemoelétrica

dos enigmas do poema, concebidos no cérebro,

e no ampere disparado sobre outra linguagem.

Estamos, sim, vigiados, viciados em softwares

e em mil sequências — quase todas moduladas.

E como poderemos raciocinar fora da caixinha,

se o silêncio estrondoso dos teclados das redes

corroem as pessoas hipnotizadas desse mundo?

Quem sabe haja um porquê muito lá no fundo:

tudo, sempre, deve conter todos os seus tudos.