Terra tombada

Eh, Canário! Eh, Laranja!

Era meu pai!

Segurando firme as asas do arado

E tangendo a junta de bois.

E eu, ainda pequeno, na guia,

Tremendo de medo.

Pesados e lentos,

Iam arrastando as patas,

Pelo terreno lavrado.

Meu pai gritando comigo,

Para que eu mantivesse a linha reta

E não entortasse o trilho aberto pelo arado.

A terra que ia tombando,

Revelava muitas surpresas

Minhocas e besouros

E até cobra de duas cabeças.

Bichos inacreditáveis

De mundos subterrâneos.

E eu, que queria estar brincando àquela hora,

Distraía-me o tempo todo!

Com os pássaros que vinham

Catar insetos e minhocas

Na terra revirada,

E os tantos outros que cantavam, desesperadamente,

No capinzal ao lado da horta.

Eram dias seguidos

De trabalho lento e cuidadoso.

Eh, Canário! Laranja, eh!

E os bois pachorrentamente,

Para lá e para cá,

Remoendo algum bovino pensamento.

Talvez de água fresca

Ou de pastagem verdinha.

E a tarefa só terminava,

Quando o sol ia descambando

Pelos lados da serra.

Dispensado do trabalho,

Saía, ligeiro, em direção a casa,

Onde a meninada já se reunia

Para as pipas e os jogos de bola.

E eu mal sabia

Que aqueles custosos dias.

De trabalho tão precoce,

Definitivamente,

Marcariam minha história.

E aqueles sons e cheiros e cores

Da terra sendo tombada

Ficariam para sempre

em minha memória.

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 13/09/2023
Reeditado em 24/11/2023
Código do texto: T7884955
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