Terra tombada
Eh, Canário! Eh, Laranja!
Era meu pai!
Segurando firme as asas do arado
E tangendo a junta de bois.
E eu, ainda pequeno, na guia,
Tremendo de medo.
Pesados e lentos,
Iam arrastando as patas,
Pelo terreno lavrado.
Meu pai gritando comigo,
Para que eu mantivesse a linha reta
E não entortasse o trilho aberto pelo arado.
A terra que ia tombando,
Revelava muitas surpresas
Minhocas e besouros
E até cobra de duas cabeças.
Bichos inacreditáveis
De mundos subterrâneos.
E eu, que queria estar brincando àquela hora,
Distraía-me o tempo todo!
Com os pássaros que vinham
Catar insetos e minhocas
Na terra revirada,
E os tantos outros que cantavam, desesperadamente,
No capinzal ao lado da horta.
Eram dias seguidos
De trabalho lento e cuidadoso.
Eh, Canário! Laranja, eh!
E os bois pachorrentamente,
Para lá e para cá,
Remoendo algum bovino pensamento.
Talvez de água fresca
Ou de pastagem verdinha.
E a tarefa só terminava,
Quando o sol ia descambando
Pelos lados da serra.
Dispensado do trabalho,
Saía, ligeiro, em direção a casa,
Onde a meninada já se reunia
Para as pipas e os jogos de bola.
E eu mal sabia
Que aqueles custosos dias.
De trabalho tão precoce,
Definitivamente,
Marcariam minha história.
E aqueles sons e cheiros e cores
Da terra sendo tombada
Ficariam para sempre
em minha memória.