O Viajante

Assim como você\

Eu fui convidado\

Pra vir pra este lado\

Pensei que tivesse chegado atrasado\

Porque, quando me olhei\

Estava nu\

Naquele estado\

Chorava nove das noites e dia\

Mas com o passar dos anos\

Fui aprendendo a ver as cores\

Comecei a padronizar\

Recebendo, fui ganhando, fui acumulando\

E me acostumando ao prazer\

Dos tesouros em ouro e prata\

Da cultura de dar e receber\

Comecei a escolher as marcas\

Pessoas, com títulos e aristocratas\

Já não andava nas praças\

Comecei a me preocupar com luxos\

E sem perceber a endurecer\

Já não enxergava as mãos\

Muito menos os olhos\

De qualquer querer\

Tudo era a arte do belo, um capital e o feio\

De repente comecei a achar\

Que viver, se resumia a ter ou comprar\

Fui me sentindo, mas me perdendo, me perdendo\

Vivendo a celebrar orgulho e vaidades\

Até realmente me encontrar\

Diante do espelho\

Que a terra veio me mostrar\

Naquele luto\

De gente com o mesmo ar\

Fiz um discurso a exaltar\

Aquela poeira voltando pro lar\

Comecei a olhar em volta\

Voltei a ver pessoas simples e os pássaros a cantar\

A água correr no regato\

A flor sobre aquela cerimônia\

E o cheiro meio vulgar\

Lendo a memória daquela vida que partia\

Acordei no tempo\

De entender, que aquela cova aberta\

Era uma estrada\

Pra qualquer um que estava naquele lugar\

E o que aprendi e chamava tesouro\

Nada era, se não um peso\

Desnecessário a escravizar a alma\

Pensando vi\

Que quando a minha hora chegar\

De viajar, adormecer na solidão da terra\

Nem meu corpo irei levar\

Então porque adoecer\

Comprar felicidades vazias na sala de jantar\

As vezes matar ou morrer, antes de viver\

Por esses falsos brilhantes\

Se o que se precisa\

É voar\

Partilhar o rir e o amar\

Uma muda de roupa\

Pão pra hora certa\

E amigos por onde andar\