A ÚLTIMA PÁGINA (ou A Profecia Autorrealizável)

 

Antes de acabarem todas as folhas de papel,

foram extintas todas as folhas de árvores,

com seus exuberantes tons de verde,

incontáveis.

Assim como estão mortas,

para a eternidade,

todas as árvores,

que em algum tempo esquecido

se abraçavam em florestas e bosques e quintais.

 

Nesta, que é a última página,

devo relatar o horror de viver o tempo

e ser parte da civilização que cometeu esse crime,

contra si mesma e contra o mundo em que vivia.

Dizer desta dor insana por viver este mesmo tempo

e ser conivente.

E ser hipócrita.

E ser aquele que permanece para contar os mortos.

 

Antes das árvores,

morreram as geleiras,

transformadas em mares tão violentos,

que mataram cidades.

O extremo calor fez a comida

cada vez mais escassa.

O ar que não se podia respirar,

tomado pela fumaça e gases tóxicos

que pareciam resistir a qualquer coisa,

fez do planeta o túmulo de tudo.

 

Corpos doentes ainda perambulam feito moscas,

resistindo apenas por teimosia,

relutando acreditar que, sim,

a humanidade teria gerado seu próprio fim.

Mas até esses, 

espectros derradeiros,

terão passado

– serão passado em pouco tempo.

 

O meu relato se segue a contratos,

acordos, estudos e tratados que,

por insuficiência, inação ou má fé,

jamais foram cumpridos

e que pouco fizeram para adiar o fim.

 

Agora que a última página se encerra,

sei que depois deste relato não haverá outro.

 

Chegou tão tarde, que nada pôde fazer.

 

(Parte do livro "Paisagem do Caos", em produção)