ESPELHO DE FACA

me faço de morto para salvar meu corpo violento

da mente serena que atormenta com demônios servis;

ora, se põe em roda na tentativa de convencer meu sangue a não ferver

quando, na verdade, mal seguram o espasmo raivoso que lhes tomam os quadris.

rezo pelo corpo convencido da corrupção da língua

que, entre latim de oração e poesia, estala chicotes de fúria

no dorso da primeira alma que me vem com mel quando quero absinto;

que me traz um sermão de pureza quando me interessa apenas a luxúria.

me faço de morto mas conheço o que os olhos não vêem para o coração não sentir.

alguém tolamente me massageia os pés mas não tira deles o caminho,

a dor de pedra e o corte de espinho que junto ao barro me faz humano,

ciente de si, do corpo no espaço, apenas quando está sozinho.

rezo pela morte quando a cura se torna outra doença,

o padecer pelo dia vindouro que em sua própria treva lança dados.

se no dia seguinte me deparar com meu fim de maneira inexorável,

porque hei de manter hoje padrôes esquecidos em porões mofados?