ALDEIA DA ALMA (2)

O FRUTO

És o fruto de maior sabor

na infinidade natural das árvores.

Meu peito sedento

quer transpirar este aroma

suave para o nosso momento.

És o fruto de maior amor

na liberdade de campos verdíssimos,

quase infinitos no universo da terra.

Árvores sustentam a tua riqueza

proveniente das leis da vida,

do crescimento ardente das selvas,

do amor aos braços dos sóis.

Sem dúvida, és o fruto

que contém o licor claro da juventude,

do engrandecimento espiritual.

És o fruto que existe em todas as árvores

que se erguem ao sabor dos tempos.

Tempos de orvalho, da esperança primaveril,

da natureza criando-se em flores.

És o fruto escondido no menor arbusto,

brilhando levemente sobre a brisa.

Porém, belo fruto,

alguém não te vê,

não te reconhece,

alguém anda cego.

És o fruto que entrega o presente,

mas alguém não agradece;

alguém estúpido

que vive nas raias da teimosia.

Mesmo assim, belo fruto,

não importa.

O mais importante de tudo

é que tu és o indestrutível,

tu és a cor mais forte e mais intocável.

És, enfim, o fruto de maior valor

na infinidade vital da natureza.

És, enfim, reduto daquilo que também cresce,

daquilo que também pulsa para a luz.

És, enfim, o fruto de maior louvor,

onde se contém toda a inspiração

criadora desta face da vida;

onde se coroa o reino do crescer,

do crescer constante das veias, das raízes,

dos troncos,

de todas estas galáxias esplendorosas.

NASCIMENTO

Nasceste poeta,

humilde profissão.

Tua grande meta é fantasiar o coração.

Nasceste trabalhador, pobre,

sofrida a tua existência.

Teu espírito tão nobre,

tão explorado, por ser bom e ter paciência.

Nasceste mendigo, não chores por essa condição,

de ti Cristo é o maior Amigo;

Ele te acena com a mão.

Nasceste revolucionário,

maravilhosa profissão,

em ti está guardado um humano solitário

que luta pela nossa comunhão.

Nasceste humilde socialista

para unir nossa grande canção,

para combater um mundo egoísta

e levantar o mastro da maior união.

RECADO

A libertação encoberta na norma,

e eu, longe do Karma,

a viver o que o dito passado

floriu de mentiras.

A libertação vocifera sua utopia,

e eu no suplício escondido do dia-a-dia.

A libertação desfila a sua paciência,

e eu guardando a minha aparência.

Qual será o fim desta ambivalência?

A libertação procura o bulício,

e eu decaio de toda ascendência.

O que será a libertação

se eu me separo da essência?

A libertação transborda a sua ilusão,

e eu escondido, aguardando a inundação.

O que será a libertação

se eu não sei o meu nome

e nem o que trago de viagem?

A libertação espera a sua bagagem, mas eu estou perdido,

negando a aventura e rasgando a passagem.

ESPERANÇA DE UM RENEGADO

Resta, para a solidão,

um canto fúnebre.

Ser só e adquirir

a paciência de ser só.

A saudade, uma letra infinita

a namorar constelações.

O que tem a saudade para me contar

a não ser a perda de uma idade

que se passou em vão?

A poesia não morre

quando vem a lua

e diz da magnífica existência

colorida de brumas.

Quem anuncia um novo mundo

está sozinho.

Mas resta a solidão com vida,

resta um canto que, mesmo fúnebre,

costuma aspirar esperanças.

E da saudade, onde reside a nostalgia,

força o poeta a sua entrada no mundo

da fantasia,

e tudo o que está a colorir a solidão:

uma mulher oferecendo um beijo fantástico.

E da saudade resta muita solidão

iluminada como um astro

perdido numa galáxia.

E Deus reverencia e lança luz

a este astro

chamado luar e coração.

Resta para a solidão

o porvir de um novo mundo,

onde brincar e ser menino

é o essencial.

Um planeta fosforescente

resta para quem consome solidão.

DESARMONIA

Agoniza a canção

do inocente.

Sem brisa,

chora plangente

a festa da madrugada.

O lado absurdo do ontem.

O reflexo do nada.

A parada dura.

O galho seco.

O gesto no trabalho indigesto.

Agoniza o brasão do inocente,

quando o nada refaz a sua tinta

e os pássaros vão mais além.

Mas tanto o homem

como a neve

partem-se na teia de uma razão absurda.

O rumo seco

chora ausente

o reflexo da armada

dos poetas.

Só, estar inseguro e chorar.

Os quatro cantos da face

igual aos quatro cantos do mundo

a oprimir como a rédea.

Um desprazer.

Um final de lógica.

Um namoro convencional com a lua em bóia.

Rumo seco.

Chão dos mortos.

Seiva desperdiçada.

O embaraço dos prantos

a costear com seu navio infinito.

O desencanto de outrora

a personificar o presente.

Um final de sinfonia,

o começo da desarmonia.

FERNANDO MEDEIROS

primavera de 2005