O ABC

o cheiro de fósforo queimado

na minha ex-boca de roseira,

é o peso e o tom,

da letra que sai quase inteira,

quase muda, de pouco som.

do B de borboleta

do C de coração

do I de incineração

do O de obsoleta

qualquer tentativa de reparação.

à essa hora já não sai poema,

pelo fato de que o forno já está frio

e não cresce,

e se cresce, cresce muito e vazio,

e logo evanesce.

como P de pato

como S de sapato

como R de rato

como A de ato

consumado, bem apresentado, no prato.

é só o cheiro de fósforo queimado

na minha ex-boca de roseira,

é o sol e a lua

de todo o mal e bem que se queira,

a cabeça içada numa grua.

diz o D de dromedário

diz o F de ferramenteiro

diz o V de vidraceiro

diz o O de operário

na lida que lhe consome o que de fato importa, primeiro.

à essa hora já não sai poema,

há um tempo de estio das vistas

quando areia sobe às pálpebras

e nos fala de coisas esquisitas,

larga o romance e toma as álgebras.

like W for what

like N for not

like R for rot

like C for caught

in a web of pleasures and knots.