Carta anônima ao Mago da Cabana 79
Saibas tu, que eu tive dias lúgubres na virada do milênio.
Só não me recordo bem a data.
Era algo assim como algumas centenas de anos depois de Cristo.
Eu gostava de dançar valsas de Strauss sempre na hora do jantar.
Pena que o meu palco foi invadido por tolos.
Eles vivem em abundância...
São falastrões e por demais ruidosos.
Costumam ter o peito forrado de piritas ofuscantes,
cuja capacidade de confundir é enorme.
E sonham pertencer, um dia, ao reino áureo como o teu,
de número atômico inconfundível.
Na noite passada, deitada sobre cartas de tarô, tive (in)certas visões;
porém não me arvoro em relatar todas elas.
Mas talvez uma delas te interesse muito, Mago da Cabana 79:
Vi os tolos caindo dos palcos, rodopiando pelas ruas;
tinham a língua pendurada no queixo, após me imprimirem a alcunha de coruja arengueira.
E tu, sem que tu soubeste, estavas ao meu lado, sobre a tua cabana, a contemplar o cosmos...
Foi um momento tão luminoso que até o céu se abriu
para que todos vissem os querubins rindo das piritas se dissolvendo e derramando enxofre sobre o coração dos bobos.
Por hora, resta-me o consolo de perceber que sabedoria já não rima com muita coisa.
É bem possível que o velho Heráclito já nem reconheça rio algum.
Teorias para quê? Cada qual é dono de si onde Deus não faz morada.
Enquanto os homens não tiram o olho da dita tabela periódica,
tu e eu engatinhamos para a nova era agarrados ao umbigo do vácuo poético.
Lembras do que tu escreveste na pedra?
Não duvides:
Tudo vale uma dança quando o espírito é leve.
Strauss voltará com uma nova valsa para as poucas almas do Olimpo.