Memórias de um velho

Vencido pelo tempo/

Acordei no relento /

De uma casa estranha/

Que aos poucos me foi tornado familiar/

Era pra se assustar/

Mas tomei consciência/

Nas alturas dos meus oitenta anos/

Que a minha independência/

Se limitou a me limitar/

Meus amigos morreram/

A doença veio/

E havia poucos a cuidar/

Meus filhos seguiram e me deixaram lá/

Enquanto eu nesse abrigo/

Tentava vencer as minhas tristezas//

Há mais de cinco anos ali/

Me assentava a beira da porta/

Na esperança de ver um ente querido entrar/

Não queria presente/

Isso de nada servia/

Queria apenas o calor dos meus entes/

Pra me ver/

Pra me abraçar/

Mas nada acontecia/

Aquela entrada ficava vazia/

Quem passava por lá/

Eram médicos, cuidadoras/

E uns poucos colaboradores /

Quando não entravam novos moradores/

Largados a essência do lugar/

Um lugar seco/

Com umidade no ar/

O passeio da tarde ficava/

Por conta de olhar os muros ao redor /

Daquela construção/

Sentindo a brisa apacentar nossa emoção/

Na imagem da capa/

Podia se ver uma árvore e pássaros a cantar/

Alguns residentes ainda teimavam/

Em se familiarizar com borboletas/

Mesmo sabendo, que dia a dia/

A morte vinha tirar-nos um pouco da voz/

Um pouco da luz/

Trocando amor por amarguras/

Que tinhamos que mastigar/

Somos assim, nunca terminamos/

Pra não termos que discutir/

Apenas abandonamos/

Quando não nos serve ao uso/

Quando me dei conta/

Já era o próximo da fila/

Eu sozinho ali morria/

Com a lembrança de que meus filhos/

Diziam nunca me abandonar/