DESERTO
DESERTO
Aproximo-me do deserto
Sem cara fechada ou sorriso
Nada mais quero
Além de comer, beber, dormir
E ler, escrever sem compromisso
Chega de ambições e sonhos
Vez por outra ainda tenho recordações
E batem saudades teimosas
Do mar, da linha do horizonte
Do desejo aceso pela amada
Já não sei muito quem sou
O espelho não me reflete
O vinho igual já não desce
Mas a revolta não vem
A apatia do viver é sobreviver
Os dias passam inexoráveis
Com cores desbotadas
O azul céu é pálido
A terá roxa é vermelha
A nuvem branca é cinza
Quando muito rósea
Em manhãs prolixas
Lastreadas de complexidade
Nas janelas do tempo
Tempo de chuva, sol, vento, ares
Que cortinas fechadas não veem
Devaneiam sem nexo ou sexo
Apenas respiram a sensação
De estar vivo apesar de tudo
De contudo, de porém, de mas
Nada demais tampouco de menos
Num fundo confuso de fatalidade
O relógio já não bate
É vermelho digital
Durmo sem dormir
No silêncio do escuro
No espaço sem ruídos
Quem sabe acorde
Com acordes de pássaros
Ou pombas da paz
Na consciência do estar
Absurdamente vivo