inescapável

Sobre mesa o prato solitário esfria à espera

De uma vontade que não conversa com a solidão,

Empertigada e extrema não coaduna com a mesa

E com a cadeira que ainda encostada na mesma não

Se apronta para receber um corpo que teima em não

Saber há muitas pedras, mas todas tem seus veios conforme

O seu tempo ou a forma que se deu a tempestade ou a quietude

De um tempo onde o sol se impôs como a coisa certa e a sombra

Foi desligada como algo que não pertence ao mundo que

Sob sol cresce e floresce, ou adoece diante do dilema de que

Viver e morrer são irmãos siameses que tocam a mesma flauta

Conforme o sabor do vento e seu vetor que poucos sabem

De sua direção, o prato não sabe do seu significado, quem

Sabe ele mesmo não trama a si mesmo com seu próprio dilema,

A mesa, a cadeira, a atmosfera que entra pela janela, a parte

Do dia que já passou e aquela que a vida ainda grávida ainda

Ainda não brotou para aquela que tem fome, que tomada

De um lugar ainda fora da ordem, não se movimenta nem

Bebe água quando essa é amarga e sabe testemunhar a goela

Que apertada não sabe as palavras lhe diria que tudo é um encontro

Inclusive esse desencontro onde a solidão lhe compartilha sua

Face menos desejada, logo o dia termina, vem a noite e amanhã

O prato solitário lhe fale de outro modo porque a vida enriquece

Tudo que lhe toca ou a receba como um banho inescapável.

Há, sobre a mesa, um prato esquecido, esfriando na espera. Espera de quê? Uma vontade que se recusa a dialogar com a solidão, essa presença constante que nos envolve como uma neblina. A mesa, empertigada, e a cadeira, ainda tocando-se como se em um abraço que nunca terminou, não estão preparadas para acolher o corpo que, obstinadamente, se perde em seus próprios labirintos. Ah, as pedras do caminho! Cada uma carregando suas marcas, seus veios desenhados pelo tempo, pela tempestade ou pela calmaria. Como o sol, que se impõe sem pedir licença, e a sombra, relegada ao esquecimento, como se não pertencesse a este mundo de luz e crescimento, mas também de doença e dilema. Sim, viver e morrer, irmãos siameses que dançam ao sabor do vento, um vento cujo destino nem sempre podemos prever. E o prato? Ah, o prato que desconhece seu próprio propósito, talvez esteja em sua própria encruzilhada, debatendo-se com dilemas que não podemos ver. A mesa, a cadeira, a luz que se filtra pela janela trazendo consigo o sopro do mundo lá fora, a temporalidade de um dia que se vai e o outro que está por nascer, cheio de promessas e de fome... Fome de quê? De vida, de sentido, de algo que ainda não sabemos nomear. E nesse caos, nessa desordem que ainda não encontrou seu lugar, há uma paralisia, um não mover-se, um não beber a água amarga da realidade. E então, o silêncio. Um silêncio que não sabe como expressar as palavras que precisam ser ditas, que tudo, absolutamente tudo, é um encontro – mesmo esse desencontro que nos apresenta a face menos desejada da solidão. E assim, o dia se despede, a noite chega, e o amanhã nos espera com a promessa de que o prato solitário, talvez, nos fale de maneiras diferentes, porque a vida, ah, a vida! Ela tem o poder de enriquecer tudo o que toca, nos envolvendo em seu banho inescapável.