... À BEIRA DAS FALÉSIAS (1)

VINGANÇA

Lá está o homem

olhando a vitrine.

Iludido, comete o crime.

Quebra-se tão depressa

o vidro do desejo,

rouba-se a peça

do incontrolável almejo.

Realiza-se, então,

a volúpia assassina.

O crime seria a ira,

a peça que se admira.

Foge para longe

a ânsia desejante,

com a peça aspirante

do sofrimento

constante.

Inicia-se o crime

do homem que, iludido, olhava a vitrine.

Inicia-se a vingança

do homem que havia perdido a esperança.

DELITO

Um só Deus,

mas várias religiões.

Uma só vida,

mas várias opiniões.

Vários caminhos,

mas um só destino.

Vários amores,

mas um só delito...

o ciúme.

VAZANTE AGONIA

E aqui vou eu

caminhando para a morte...

Roubando, mentindo, sentindo

debaixo de uma nuvem densa de ilusão;

ela não me alerta,

causando, assim, a tormenta

do meu coração.

E aqui vou eu

caminhando para a morte...

Sonhando, sorrindo, denegrindo

dentro da cúpula,

plena de culpa,

quebrando minha trêmula bússola.

E aqui vou eu

caminhando para a morte...

Acusando, simulando o benquisto,

dentro de mim um sentimento oblíquo,

na vazante agonia do meu peito,

advir morte em meu leito.

E aqui vou eu

caminhando com defeitos...

Preconceitos, direitos

para a minha

insustentável morte.

Preparando, guardando o acúmulo,

para dormir no meu provável túmulo.

TEATRO DO SUBMUNDO

Radicalizando o que é aborrecido,

materializando o invisível,

vou atuando no teatro

de um sonho impossível.

Caminhando entre pedras

desse rumo desconhecido,

cercam-me as trevas

do mundo corrompido.

Erro o texto,

as palavras me confundem,

repito a cena

dos sentimentos que me agridem,

amando quem me odeia,

aplicando na minha veia,

vou atuando no teatro

da vida alheia.

Overdose de monotonia,

inconstante, letárgica,

violentando, chorando,

arriscando tudo,

enfim, atuando no teatro

deste submundo-mudo.

ELAINE BORGHI

primavera de 2005