As Lacunas
Escorrega no meu nariz um cetim volumoso
Quando a lua infla prateada num lago que não se vê
Que eu vi horas atrás, num tempo ainda mais longo
As imagens borradas, conexas e vultuosas
Misturam se nos fatos, abre-se a lacuna
Subjacente à minha certeza, a teoria da coerência
A dúvida chorosa e amedrontada se rebela
Quando tropeça numa esquina cheia de razão
Onde você passou um minuto atrás
Nessas lacunas ouço seu olhar
A cena do filme onde num bar ao relento
Me contou um senhor com medo
“Excelência!
Não existem espaços para dúvida no coração
Mas existem infinitos argumentos na razão”
Quadros por segundo, tinta velha de aquarela
E os poemas que ignoram o verão
Nessas lacunas dos segundos, vejo sua voz
Música, cinema, teoria
E pratos sujos e cigarros no chão
Falta muito no exagero dos minutos
E o som estronda detritos em superfícies
De uma casa que abriga personagens de trajes humildes
Segurando copos caros, proferindo palavras suntuosas
Na relva sem mato, e a árvore na janela do mar
Os espaços vazios continuam espalhados
No caminho sem resposta registrada e datada
Nessas lacunas ouço seu olhar