Atravessamentos
Me chamam de visceral
E eu tenho isso em mim
É que eu me expresso depois que coloco os dedos na boca
Enfio eles na garganta
Até provocar a ânsia
O vômito vem voraz
Como aquelas tempestades de verão
Vai atravessando o caminho apertado
Varrendo com tudo que tem pela frente
Até o estômago ficar vazio
Até as ruas ficarem serenas
Depois da chuva os cães voltam a ladrilhar
Depois do vômito eu volto a esperançar
Sensação de alívio
E um alerta para o que estava digerindo
Tem palavras, ações, afetos que rasgam o nosso ventre
E envenenam um pouco
Não caem bem
A vesícula não dá conta de processar
E a conta vem
Nos ensinando algo sobre trovões, ira, desenganos, desentendimentos, desilusões, e cães
Esses, quando gostam enfrentam até a chuva com você
Aprendi a pular nas poças de água e me molhar completamente
Depois tomo um banho quentinho
Passo um creme com cheiro de mel no meu corpo
Tomo um chá
O estômago melhorou
A chuva passou
Eu me acolho e compreendo algo mais
Consigo enxergar por um prima
Um filme de todas as minhas escolhas, ausências e enfrentamentos
Limpo tudo
Lembro sem ter ressentimento
O organismo volta a funcionar
Com leveza
Assim como o clima que fica quando as águas cessam
Alívio
Das víceras ao algodão
Do caos à paz
Andando numa corda
Atravessando a jornada