a noite engolindo o dia, ou o dia dormindo para outra manha evanescente

A noite engole o final do dia, e quase

Todo ele já no ventre noturno, em silêncio

Assistimos, solidão, serena e imprecisa

paciência, já que a noite é tão vital quanto o sol brilhante.

Nesse final de março, penugem, triste cicatriz

forjada ou fincada por algum desvio mal

planejado , o tempo agora, esplêndido mas lento

atrofiado parece quase sem vento,

Árvores pacientemente esperam, quietas.

Enquanto escrevo este poema, a saudade corta,

Consome o peito, nervos suspensos, incertos

De quem, na juventude, a falta sentida,

Entre quedas, portas fechadas, vidas findas.

A falta, agora vaga, dói por muitos, pois

Muitos amei, e por muitos fui amado, amigo

Das mesas, cervejas, conversas arriscadas,

saltos sexuais dentro de uma juventude sempre

amada, desejada, não sei se já soltei sua mão,

dentro de mim, tua beleza e vivacidade ainda

me ajuda a acordar, a querer os dentes limpos,

pensar que logo na esquina alguma aventura

desmedida me fará o coração, brasa e bravura,

Ana, Deborah, Gabriela, Claudia, Marina, e tantas mais,

Adornavam, nos perdíamos distorcendo o mundo

para que se parece com a gente, e parecia, e as

artérias fazia a vida ser rubra, e a leveza uma cantiga

sempre bela e serena, como eu as amava, e como

tudo parecia falso e por isso tão verdadeiro, adultos,

como pesa uma adulto, e como a brisa é perturbadora

quando as janelas estão fechadas, abraços,

Beijos, gritos, o soco, a demora, o coito, a descanso

numa tarde qualquer, agora a noite tomou as ruas

as casas, o céu, e um frio na espinha nos prepara para

essa noite, que será como as outras noite - apenas o

descanso do dia, com seu sol deslumbrante

O fel, tudo fruta neste pomar de vida, nada

É em vão, se lição alguma aprendemos, pouco

Aprendi, talvez doa tanto, esse dia que não

Se deixa sumir, pela noite engolido, mesmo

que em outra parte do mundo, sua parte engolida

já tenha nascido