luz irrompe (nova versão)

A luz irrompe,

num solo transfigurado pela revelação,

onde escavações revelam mais do que simples terra:

uma mulher, em profundo mergulho,

fez da escuridão seu lar, seu abraço.

Seu amor, um clamor -

ecos de mitos desvanecidos

que até nós chegaram.

Ao alvorecer, entre cinzas e carvões,

ela atravessa a ponte que lhe prometia passagem -

secreta, enigmática, abissal.

Uma silhueta desprovida de rosto,

sob o peso da terra tocada,

uma presença que nos comove, sem que

nomeemos a concretude severa de sua existência.

Palavras perdidas

entre pedras celestes dispersas,

abandonadas pelos deuses,

planetas em deriva pálida pelo cosmos,

esquecidos de si, dispersos

pelo destino que flerta com a deformação de sua queda.

Plantas, caprichos verdes ou desbotados,

torcem-se, entrelaçam-se e crescem em superfícies frágeis

ou improváveis, num entrelaçar de destinos

que se afasta do chão à medida que nele mais se aprofunda,

jovens ou imprudentemente desgastadas pela vida

que lhes foi imposta, criaturas lançando chamas translúcidas,

diabólicas, vertigens apenas pelo coração compreendidas.

A terra, agora em tumores de sombra,

estrangulada por protuberâncias de desenganos, rejeita o broto mais doce,

transforma-se em forno ao ar livre, brasa, fogo, combustível -

uma fatalidade, uma deterioração exacerbada nas margens

de um tempo mais acumulado que vivido.

O calor que ultrapassa e permeia o que arde

transmuta na imortalidade da alma consumida,

e no limite, a consciência, desvanecida e inesperada,

desfaz-se de sua lucidez à porta da loucura.

Quando os sentidos se dispersam ou se amalgamam

à demência vertiginosa, algo mais puro e real

salva da solidão estridente, cujo desatino é sua amargura.

A morte, leve, desfila pela pele

enquanto, paradoxalmente, uma árvore ao inverso cresce,

com suas folhas enterradas e suas raízes a flutuar

no éter dos olhares.

Gestos divididos entre temor e bravura,

um braço estendido à procura de um rosto detestado,

embora seu inverso seja um pomar frágil e carinhoso,

ovacionado no grotesco silêncio do desejo.

Corpos, então, ao abismo lançados, o gozo violento

atravessa a carne, sismo nos interstícios da matéria,

diáspora de palavras, a polifonia de fragmentos se alinha,

e o todo que a consciência não regenera, mas compreende,

funde-se numa cólera atemporal, vulgar, inapropriada,

mas que traz um sopro de vitalidade e júbilo,

ainda que proclame declínio.

Irreverente e perturbadora,

não posso, tomado,

embriagado pelas palavras, absolvido pela poesia,

declarar que a arte seja minha amante mais perversa e infiel.

Cujo prazer é o fractal que se vinga pela memória,

não posso afirmar que seja o mesmo terreno,

o mesmo descampado desprotegido

que nos conferia normalidade.

Dividida e multiplicada, que não se pense amada

ou desejada, uma breve existência

reduzida. Diversas, na mesma essência,

desprovida de água, de álcool,

do elixir que nos livrava do peso, sem esplendor

sem pacto, redenção e perdão nas águas misturando.

Apenas a vontade disfarçada que dita,

melhor, camuflada,

linguagem, veneno, um redemoinho trazendo o sol

para dentro dos ossos, da medula,

irrecuperável e diversa, externa, persiste

apesar de tudo, que o esforço a torne

a madeira seca e sólida, devorada pela própria chama,

que após a exaustão do claustro eterno, após a porta aberta,

irrompe a luz.

Gritos de sal, imprecações, rajadas lascivas e a infância

tem seu nome gravado nos astros, existe e persiste

como uma pedra, como se o céu tivesse um colo

e essa pedra se tornasse encantada, abraçada, amada

e suas muitas faces, inclusive aquelas sujas e ásperas.

E as artérias abertas vertem o sonho para sempre

na lacuna onde as ideias vagueiam sem encontrar

aquilo que seria seu cavalo.

A lava flui, a pele torna-se erupção,

ferida que capta o aberto e o implícito.

Um terreno inflamado, a dor estéril e penetrante,

que rasga o corpo sem que a razão o destitua

e invade o coração, e este se acelera como

se a morte não fosse um filho,

mas uma amante aristocraticamente rebelde, de luxúria.

E o prazer não tivesse seu inverso paciente e perseverante.

E as pernas, que ainda não são raízes, profundas

garras que na terra, ancoradas, escolhem o mundo para girar,

como se nunca tivesse sido floresta, aldeia ou bosque,

agora reduzido a um deserto sem princípio ou fim,

uma ausência tanto temida quanto seu desdém era

a carne apodrecida de uma vida não vivida ou

já demais vivida, ou que se molda para cruzar

o lado mais desolado, com margens sempre a se deslocar

como se a vida intensificasse sua violência apenas para nos

dizer: além daqui, a ti, o deslize, ou a demência controlada.

E a suportamos na esperança de que haja portas mais celebradas,

que algum obstáculo se desvaneça e nos torne portas

com fechaduras menos enigmáticas, ou que aquela mulher, amada

e imortalizada na memória pelo desejo, pela pele que inflama

à possibilidade dos lábios, mãos, braços, abraços,

embora seu sexo amadurecido, cujo gosto, de suas

frutas fora degustado e entrelaçado às papilas do corpo, e eu,

exilado de seu sumo, ainda o seja o elemento mais perturbador,

recuperaria a razão e me diria: “que seu amor seja a semente

mais vigorosa a crescer em direção ao céu.

E eu serei o aroma mais repleto de pecado,

seremos orgia e êxtase e, mortos, mas

de exaustão, seremos vida, viva, e o sangue

será nosso sustento e nosso clamor diante da morte.

E morreremos entrelaçados no mesmo ato,

quem escolheria morrer antes dessa revelação?

Neste lugar sem nome, ou que nenhum nome pode abarcar!

Não é esta a terra que anseio,

não é esta a água sagrada que verto,

nem esse é o sorriso que ofereço ao sol.

Suas raízes crescem para fora, folhagem enterrada -

e isso seria suficiente para trilhar este caminho

que clama e sangra por meu afeto.

Andrade de Campo