a mesma sinfonia

não ouses entregar teu Norte

ao sapateiro mais próximo.

Limpa tua morada, encera o chão

e ao abrir tua janela, verás:

ainda que teu ventre refute,

nenhuma sinfonia cessou,

e o sol, em sua obstinada claridade,

cumpre-se.

As árvores, sentinelas da luz,

continuam a filtrar sua essência,

e sob a copa, revela-se a mais sublime

das composições de luz e sombra.

Ali, teu descanso se aninha,

e mais além, o descampado

que se funde à montanha a leste,

infiltra-se no céu - este,

num abraço de amante,

acolhe-a.

Habita teu corpo;

é nele que a névoa da solidão

se adensa,

e também é nele que,

após a chuva de verão,

uma atmosfera mais luminosa

e preciosa delineia

tudo o que toca.

Não te demores no retrato

de tua juventude,

quando teu sorriso ecoava

com a casa materna

e os sonhos vivos e possíveis.

Guarda-o, porém,

na gaveta mais próxima,

para que possas

lembrar-te das manhãs

em que a natureza nos comovia,

sem que percebêssemos

toda a sua beleza -

o céu aberto e puro,

e as noites estreladas

que preparavam

nossas almas

para fazer delas

nossos altares temporários,

ainda que outras noites

nos adornassem com novas pérolas.

Cada momento,

no segredo das coisas

que hoje nos permitimos perceber:

nosso pai, nossa mãe, avó,

nossos irmãos ainda jovens,

dialogando com uma vida

que jamais retornaria

de maneira tão voluptuosa

e alegre.

Quanto dilema,

quantos enigmas

em tão poucas almas.

Limpa teus sapatos,

varre também o batente da porta

e observa quanto deve conter

o canto de cada platibanda.

E tenha em tua memória,

mais viva, a certeza

de que, embora não partilhes

o mesmo sonho,

ainda sonhas

que a vida pode ser melhor

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Ainda prossegue a sinfonia, não cessou,

Não entregues teu rumo ao acaso,

Limpa teu chão, encera, abre as janelas,

Verás, apesar do que teu peito sussurra,

Que a música da vida não pausou.

O sol, diligente, espalha sua luz,

As árvores, sábias, filtram seus raios,

E sob a copa, revela-se a mais bela

Das composições de luz e sombra.

Ali, descansa o ser, e mais além,

O campo se une à montanha,

E se eleva ao céu, como amantes

Envolvidos em eterno abraço.

Habita teu corpo, nele residem

Tanto a névoa da solidão quanto

O brilho pós-chuva, que enfeita

Tudo ao redor, mais precioso que nunca.

Não te percas em retratos de outrora,

Quando teu sorriso e sonhos eram um só,

Mas guarda-os por perto, lembretes

Das manhãs que nos comoviam

Sem que percebêssemos tanta beleza,

O céu aberto, as noites estreladas,

Preparando-nos para amar, ainda que

Por momentos, ainda que outras noites

Nos tragam novas promessas.

Cada curtida, cada segredo agora percebido,

Família, amigos, conversas com uma vida

Que não retorna em sua plenitude alegre.

Quantos dilemas, enigmas, em tão poucos rostos.

Limpa teus sapatos, varre o umbral,

E percebe o quanto há para descobrir

Em cada canto, em cada silêncio,

E guarda, na memória mais viva,

A esperança de que, mesmo que os sonhos mudem,

Ainda sonhamos que a vida pode ser melhor.