sombras iluminadas

A rua dessa vida desconhece que todos partiram,

As janelas, agora sem olhares, sem aquela penetrante

Ânsia de revelar o que ocultam, os quintais, não varridos,

Desconhecem o sabor da chuva que antes os beijava,

Era imensa e bela, ainda que me recorde de uma estreita viela,

Onde toda a infância se acomodava, pequenos seres libertinos

Desvendando como são as peles narradoras dos primeiros mistérios,

Mistérios das águas, águas profundas nascidas entre gemidos escarlates,

Mãos que se entrelaçam, buscando a cintura na escuridão ou

A mais alta cordilheira, o precioso suspiro de um beijo evocado,

Não, não é dos rostos tristes e desesperançados que desejo falar, jamais

Os retirarei de seus refúgios, desejo narrar sobre aquilo cujo ritmo

É como água fervente, de mãos se arrastando em massa ainda não nomeada,

Falar dessas visões que, ao fechar os olhos, transformam-se em língua ávida

Provocando o prazer que também a consome,

Deslizando entre as cadeiras, o chão ainda aquecido pelo sol do dia,

Do outro lado, seu corpo também se arrasta em busca do mesmo fruto, o

Pântano iluminado onde formigas devoram seus filhos, e cujas margens

Recordam os lábios, todos, de uma mulher coberta de orvalho, fecunda, e eu salto

Pois ela me transforma em covarde, faz-me correr para todas as direções, já que

Não há centro, e em todo lugar posso encontrar uma boca que clama por

Outro lábio a brincar com a língua, sou o eleito, mesmo sendo o primeiro

A ser devorado, uma centelha onde o desespero acende o fogo, incêndio, sexo

A percorrer o universo incinerando planetas, sou braços, e pele a friccionar em outra pele,

Cientes de que pereceremos caso não nos amemos dentro deste óleo que ferve

Nas artérias conduzindo ao coração, então sou e tu és chama, e já não conhecemos

Senão sombras iluminadas.