ao me saber presente

Ao céu, toco teu semblante visível,

mas não esqueço de que meus são feitos de terra.

Balanço os braços, solto do invisível

a agonia entremeada desde a cidade antiga.

Amo essa gangorra, cujas coisas, flutuam encravadas,

extensa, densa, que desce e sobe,

o coração demorou a saber sua textura constante.

Beijo a pele do espaço,

esse silêncio que brota as coisas,

ou as coisas lhe dão presença.

Pensamentos arrastam minha mão

para o futuro ou o passado,

sempre a desembocar no abismo do presente,

cascata fulminante de nada e a nada não,

a me engolir quando engulo o tempo

a trafegar na consciência,

resistente a essa constelação de nomes

que se esforça a tocar os objetos

sem deles saber a metade.

Tudo transfigura quando a sorte

nos abre seu bolso, fora do tempo.

Então, a luz inefável do sagrado

pulsa na intimidade mais secreta,

ascende-nos para uma dimensão sacra,

embora nada saia do lugar

ou perca sua pulsante precariedade.

O ordinário não deixa de ser ordinário,

ainda que a poesia o sustente fora do tempo

dentro dos seus próprios termos.

Tudo toca a mesma canção perdida:

a pele, a boca com sua língua impaciente,

os dentes que mordem e nos ocupam

de uma cilada menos conhecida,

a pele, os dedos, pensamentos

que plantam uma árvore jamais esquecida,

os pés da mais amorosa a andar de sapatinho pela casa,

o perfume jamais aberto,

mas que na gaveta é promessa

para um dia mais esperançoso.

A casa limpa com seu cheiro de esforço e cuidado,

a mesa posta, temperos verdes,

os tomates cortados já tomados de sal.

Depois, o café a dizer que todos os dias

as manhãs podem se estender pela tarde,

e tua voz a me dizer que eu existo

e que existo mais quando dizes meu nome

dentro de uma conversa qualquer.

O céu e a relva, as árvores gigantes, pássaros,

tudo isso é teu e meu ou apenas eu

quando me sei tempo e os outros a me saber presente.