EXÍLIO (1)
PÁGINA BRANCA
Página branca,
santa linha branca,
branca...
Espanto, mas tudo conforme o conformismo:
_ É tão triste isto!
Porém, página sagrada,
o vento a desfolha,
belo som destas páginas brancas.
Nela escreverei, com toda a ternura, o
que há no coração.
Nela escreverei
com toda a nobreza de uma emoção.
Quem sabe nela também, inscrita
num relance de glória que cobre
o imundo,
estará lá também rebrilhando
a nossa vitória sobre o mundo.
RITO
Rito eu não faço,
mas no ritmo eu me desfaço.
Aliás, meu rito
é só a realidade do ritmo,
pois o que busco mais
a não ser ritmos!
Ritmos demais, onde quer
que eu esteja,
o ritmo me beija
ou apenas o seu sonho me beija.
Rito eu estabeleço,
mas é no ritmo
que eu ofereço
o risco de minha escrita,
o pátio de minha desdita,
a fraqueza e aqueles sentimentos de sempre.
Minha lembrança abraçada com mármores frios.
O que devo fazer senão cultuar o rito do ritmo?
O crivo em minha pele,
o crivo daquelas ofensivas de sempre.
Como assim em discórdia procurarei ritmos?
Interrogações,
interrogações harmonizadas,
letras que se fartam de rimas.
Letras que se misturam
à história de minha vida.
O pleito em meus arquivos
no pátio: dementes esquivos.
Minha lembrança cultuando sabe-se o quê...
Resta meu ritmo, meu fundamento
rima no próximo estamento.
Ritmo, personalidade
de vegetação revolta.
Ritmo que, pelo meu preço,
eu estabeleço.
Discórdia que nos encobre.
Harmonia: lembrança que nos consome...
EXÍLIO
Idílicas promessas,
sucessão de buscas,
túnel que se ofusca.
Sobreviver dessas
jornadas vazias.
Exilado até das correntes.
Já estão montando novas frentes,
prometem remuneração e abono.
Eu vou atrás com minha sensação de abandono.
Fantasias preconizam-se
singelas e desesperadas
à minha frente.
Alguém comanda a exploração!
Vamos rogar-lhe
uma vaga e vender nossas forças.
E se vender para quem comanda
todos os alicerces
que possam esmagar.
Sobreviver...
como se o nada sugasse,
como se a mente vaga.
A mente está vaga
porque a tanto se desilude.
Qual será a sua atitude?
Avisos de toda parte
dentro da realidade que não se personaliza.
Parece que o desejo desliza
e o fundo é mais terrível
que a desgraça de agora.
Opção também vaga,
eu irei vender minhas horas,
vendedor de horas que espera pouco e muito.
Que espera e já não sabe como aguardar,
sabendo só se guardar.
INGRESSO
Quem já entrou? Não, isto não se faz,
não entrarei nesta câmara de gás,
nem atirarei adjetivos para
quantas vaidades existirem.
Talvez eu até possa
metralhar a paz,
arquitetando uma cilada para a guerra.
Onde está a sua entrada?
Quantos já não perguntaram
apontando a sua discórdia
para qualquer um,
discordando de qualquer confiança
que se apresenta.
Quem entrou
está botando sangue pelas ventas.
TABLÓIDE
A praça era o banco social onde se assentavam muitos olhares perdidos... Perdidos de ânsia de vida, mas incapacitados de viver, de se expandir nas veias da rua. Incapacitados pela imensa prisão que construíram os espertos e os falsificadores das ordens. Incapacitados obrigatoriamente...
VITRAIS
Setas perpetradas
refletidas nos vidros multiformes.
Anjos demonstrando nos rostos os dissabores.
Seria o mundo estes imensos vitrais?
Anjos perpetrando setas,
setas ensangüentadas.
Esta arte sacra
parece de denúncia.
Esse artista dos vidros,
que parte para a renúncia
em nome de todos os homens,
procurou refletir nos anjos
a violência das setas
em suas mãos de justiça...
Mãos de artista,
seria o mundo uma falsa pintura
nestes belos vitrais?
Quem sabe mais?
Quem sabe mais?
PORNÔ-MUNDO
Vendo a pornografia,
expele a euforia
que toda sensação provoca.
Atendo-se a qualquer fantasia,
a vida por sonho troca.
Isto não é aconselhável,
fugir da vida é remediável...
Vendo a pornografia,
expele a sua ironia,
aquele outro nível de pornografia,
aquela aguda pornô-vida
escondida num balancete,
discutida por altos dignatários
em gabinetes.
A sua oposição eu aconselho,
que esta oposição seja um espelho,
a ironia torna-se inflamável,
a euforia congestiona-se, expelindo
ação.
Entrar na vida é irremediável...
ADVERTÊNCIA
Atenção, cidade encoberta!
Passagem noturna
pelo túnel e pelo imprevisto.
Atenção, nuvem descoberta!
Viagem vazia
por mais uma hora que nos consome;
despedida em vão...
O caminho de um homem neste centro
é mais triste do que estar
dentro da lágrima.
Atenção, mais mordacidade!
O ser humano obliterando a condição
que investiga o seu fim.
Para nós, atenção!
Nenhum sorriso que possa vir como brisa
ameniza sua farsa a força de opressão,
paralisa toda a comunhão.
Para mim, uma missão sem história:
percepção dos mais tristes,
nova cidade pelo túnel,
o pensar imprevisto,
a condição rodando com o desânimo.
Embriagado o sentimento
formaliza a sua conjunção
com o ardor do homem confuso.
O fuso horário da cidade, interna e encoberta,
acerta o seu vocabulário de dor.
Uma moção de tédio
decidida na indefinição do conjunto de faces.
Atenção, impasses inúteis!
A inexatidão do que cai como morto,
a exatidão demasiada do momento que consome.
Imprevistos gestos desaparecem na brisa artificial.
Atenção, impasses...
Passagem noturna, asa, monotonia, ameaça.
O voejar ligeiro da condição mísera e sua massa.
Atenção, algo de louco por aqui passa!
PRAÇA (I)
A praça...
Comprar um jornal na praça.
Olhar velhos nos bancos
e tomar uma cachaça.
É uma folha que arranco,
é uma praça popular.
São velhos, homens do meu jeito,
são crianças a importunar.
Tudo disto... a praça,
a praça dos vagabundos
e dos desempregados.
Lá descansam os renegados.
Onde estão os jardins?
Estão na minha frente
sustentados pela vontade popular,
pela simplicidade de um povo.
Onde estão as ambições?
Estão nos centros da cidade
a abscidar as flores da adolescência,
estão nos crimes com anuência
que nos desmascarou.
A praça... só ela restou por todos os tempos,
minha vida mudou de temperamento,
mas a praça ficou.
A praça popular e singela,
praça sem vaidade.
Sim, existiram flores para brotar,
quando ventos do sul vinham pelo ar,
mas o verdadeiro sentido de lutar
está na paciência de uma praça popular.
Sim, devemos ser complacentes,
os ventos das árvores não são como os homens,
eles não mostram trapaças.
CRIPTAS
Criptas,
misturadas às suas pedras
o meu pó.
Críticas
atiradas sem dó.
Criptas...
Escrita nas suas pedras
o meu fim.
Raquíticas,
raquíticas caveiras
e o seu mundo em criptas,
crispam os meus olhos
nesta escuridão.
Criptas são destruídas
por esta explosão.
A ÚLTIMA HORA
A última hora
em que escrevo
é a primeira em que choro,
o choro convulsivo
que decoro
como a lição da sombra.
A última hora
em que escrevo
é a primeira em que fujo,
quando espero
e começa, então, a velha
lição do desespero,
a velha rainha que me fecha
pelos cantos, pelo teto.
Nasce a rainha
e começa, então,
a velha ladainha do desafeto.
A MÁQUINA E O HOMEM (I)
Cuidado, trabalhador de sua mesquinharia!
O seu braço direito está esmigalhado
na máquina que não via.
Seu corpo foi lançado entre ferragens da fábrica sem idade,
mas restou o sangue sob o aço... restou um poema,
restou, também, pedaços de carnes
sob emaranhados de fios e ferragens.
Fios e ferragens fabricados por loucos,
loucos que fabricam os bandos de alucinados,
bandos de loucos, loucos sem identidade.
PONTO DAS INSPIRAÇÕES
É doce a minha amargura,
é verde a minha agrura,
pois é o ponto das inspirações.
Ah, luz da negrura!
Ah, fraca bravura!
Ponto das inspirações...
Oh, orvalhada secura!
Músculos na brandura.
Oh, ponto das inspirações!
TREM DA CENTRAL
Chegou o Trem da Central.
Lá dentro os corpos se comprimem.
Em cada rosto, as marcas da vida,
em cada vida, um dia sem rosto.
Chegou a miséria total,
lá dentro ferve a fome nas faces.
Em cada lábio, a vontade de gritar,
Em cada grito, a vontade de ter lábios.
Chegou o Trem da Central.
Lá dentro os corpos se perdem.
Quais são os corpos? Quais são as pessoas?
Os mendigos doentes com a face encovada.
Os que procuram no escuro a não ser o nada.
Os que procuram na miséria oprimida
a vida. A vida?!
Os que procuram com essas pálpebras desesperadas
o sol e a enxada ou a face suada.
O que procuram?
Que trem miserável
é o trem da Central,
nunca está no trilho,
tem os mais miseráveis filhos.
O maquinista do Trem da Central
ou é o nosso Pai celestial
ou é o inimigo diabo-animal.
Lá vem o Trem da Central,
fora do trilho da justiça,
fora do brilho da aurora.
Cai... Cai o trem da Central !
Cai dos penhascos das desgraças,
esbagaça-se no trem de luxo,
e explode, explode! Levando (quem sabe?),
para o céu, os restos de gentes
deste mísero planeta.
CASAS E CIDADES
Prismas e Prêmios,
compartimentos e blocos
de onde não sai nem água, nem “laser”...
Comportamentos e signos
de onde não sai nem o fruto,
uma luz que ilumine
graças à possibilidade sublime...
CONVENÇÃO
Não há sentido
no ar além —
não há ninguém. Sentido, alguém!
É da ordem. Ordinário!
Neste ângulo consome-se a marcha,
extraordinários os truques adversos,
o questionário dos perversos.
Não há sentido, mas há alguém:
_ Perigo à vista!
No bar também...
Um cipó por entre os edifícios
é da ordem por trás dos ofícios.
Qualquer traição,
o pó no embrião.
Alguém, ordinário!
Na marcha lança o truque extraordinário,
no ar, um safado.
Não há sentido, avança a marcha —
qualquer traição desmancha o embrião.
Cipós consomem-se,
uma mancha de pó na luta,
um recruta na dó do que chuta,
um nó no cipó que se desfruta.
Sadicamente o embrionário
no bar dos adversos.
Alguém no ar? Perigo à frente, o ângulo dos perversos.
É da ordem o seu truque magistral.
No ar além, alguém, sentido!
O bote que mais convém,
a marcha do questionário
intriga também.
É da ordem por trás do pó
o seu crescimento.
Embrião em nó.
Ordinário,
sustém a marcha do cipó invisível !
Não há sentido,
só se convém.
Não há ninguém.
_ Perigo! até por baixo, a convenção.
No ar alguém:
_ Sentido!
VEROSSIMILHANÇA
Rua velha,
telhas e limbos.
Velhos e cachimbos,
retalhos e telhas,
cachos de abelhas,
tudo à minha tristeza assemelha-se.
Papéis e versos impressos,
tudo na minha tristeza
encontra os seus reflexos.
CONDECORAÇÕES
Está um vagabundo na noite escura,
com sua dama e o seu mundo
na noite da metrópole impura.
Ironicamente na poluída aragem
condecorava a sua vadiagem.
Expunha as medalhas,
reunia a malandragem, e para as muitas falhas
rendia às medalhas a sua homenagem.
Está na noite obscura, eu repito,
um vagabundo, na noite de nosso mundo aflito,
a contradizer o que acontece
na sala dos poderosos.
De medalha, a prostituta
mais linda, ele abastece.
Há que se notabilizar
pelo coito mais produtivo.
Assim distribuía o vagabundo
as homenagens com voz sentida.
Ironicamente a caçoar da vida.
Está uma tramontana
condecorando a prostituta que mais lucrou este ano.
Na praça isolada e fria,
na noite da metrópole embaçada,
personagens em cena de agonia,
recebendo seus prêmios na sarjeta da calçada.
A voz do vagabundo se expandia —
voz de quem não espera nada mais da vida.
Dramaticamente, talvez,
cercado de esfarrapados, abandonados, doentes
desamparados de uma urbe sinistra e miserável,
gritava e distribuía condecorações
para aqueles que viam mortas todas as ilusões.
Decadentes e marginalizados a receber medalhas
cinicamente na noite fria da metrópole.
Palco de expectativas ardentes.
Está um vagabundo na noite escura,
com a sua dama e o seu mundo
na noite, eu repito, da metrópole impura...
PINGO DE LUZ DO MUNDO
Mundo de tantas indecisões...
Pobre mundo
de poucas direções.
Venha mundo
ouvir meu grandioso amanhecer!
Grito mundo e por certo vencerei!
Pranto e mundo e
resistirá meu iludir...
Vivo meditabundo,
e ainda penso em vencer.
Na verdade, serei trabalhador
destinado a chorar e a sorrir...
Raça e taça
hão de brilhar em minha vida,
apesar dos círios dos funerais
e a solidão dos meus ideais.
Raça e taça
que a falsa ilusão do dia construiu.
_ Vamos procurar a aurora
naquele pingo de luz?
_ Sim, tenho, ainda, algum ânimo,
por muitos devaneios já muito pervaguei
e, hoje, ainda, por pouco triste
na mesma tristeza dos tempos desesperados,
porém, já sei que não é inatingível
aquele resplandecente pingo de luz...
RASTROS
Pise no barro!
Pise na lama!
Sinta em suas quedas
as marcas dos socos
e o queimar de sua lágrima em chama.
Afunde no pântano,
mas lute! Lute, com gana!
Beba, beba! beba o barro dos barrancos,
que de sua ânsia bendita
nascerá uma natureza iluminada e farta,
pois só uma noite em tempestade
traz para nós, no amanhecer,
um arco-íris na puberdade...
VÔO RASANTE
Mais próximo deste cenário,
ouço o gemido e o lamentar
e as peças girando.
É um baile retalhado
na colcha consagrada.
São os tecidos invariáveis
acobertando...
Mais perto, mais perto,
e vejo a concha sem diamantes,
o saque dos des-amantes.
Todos os dias, aquém dos dias,
os olhos brilham
mais do que faróis e os controles
mais do que os sóis abrasadores.
Mais perto, e nunca as dores
foram tão presentes
e seus reflexos como agulhas.
É o cenário do baile
e os relicários abertos.
Mais, mais perto ao sabor
dos espertos deste mundo.
Todos os incertos arquejando
e o arco de fogo simbolizando o retrato.
A chuva passada parece levantar-se,
explodindo o solo
e o arco de fogo simbolizando o dolo.
Os hemisférios girando
e os mistérios das peças
simbolizando os critérios do bolo.
Mais perto, mais perto e a dominação
e os olhos como peças
mobiliadas em arcos, arcos de fogo
que não cumprem os rogos,
que resumem os jogos
dos ministérios encarnados em consciências.
Mais perto, mais perto,
e aumenta o furor dos olhos
e dos hemisférios.
E os aeroportos escondem-se nas colinas dos cemitérios,
e os olhos, as peças, as pistas a girarem pelas colunas dos impérios.
POSTE
No poste
uma coruja
a premeditar coisas más.
Não acredito em superstições.
No poste apenas uma coruja
a sobreviver na noite,
teimosamente sobrevivendo
como eu sobrevivo.
No poste o seu olho amarelo
parece extinguir o sonho
como eu
que sou medonho.
O seu corpo estático
parece empedrado na noite
como eu fanático.
A sua postura
no poste perene,
mas não é aflita, está parada,
mas fervilhando tormentas.
O seu canto sinistro
parece suicida nas últimas horas
como eu
ministro minha vida.
Poste, coruja,
fuja, fuja!
Porém, o sustento
parece ser esta lágrima.
SAL E SAUDADE
Rachando o solo
de meu coração, resumindo
o passado que viaja na mente
qual Marco Polo...
SINA CINZA
Folhas de minha sina,
talvez um caderno, e é minha sina.
Talvez um diário,
venci o meu horário.
Folhas de minhas cinzas —
qual árvore quer crescer
e não morrer em cinzas?
Folhas de minhas cinzas
sejam atiradas no oceano
e lá fortifiquem, ao menos,
uma raiz que alimente os peixes
com um brilho resignado e feliz.
Folhas de minha sina,
ondas imóveis do cotidiano,
sol pesado do cotidiano
móvel, estático: um cotidiano
móvel, cheio de cinzas,
cheio de sina,
ao menos pérola etérea
fez-se História no cotidiano.
Cinzas
sejam atiradas no oceano...
Sinas
sejam refletidas no oceano...
LUGAR AO SOL
Lugar ao sol,
o coração quer girar
para todos os lados do sol, girassol...
Lugar ao sol,
tira-me deste rol, tira-me deste rol...
Lugar ao sol,
onde as sete cores pingam da goteira do arrebol.
Lugar ao sol,
quero estar longe deste rol,
quero estar longe deste rol, lugar ao sol.
A terra meu acolchoado quente e o azul da lua
um tão lindo lençol.
Lugar ao sol, de manhã um braço semeando sulcos e
abastecendo de alimentos o simples paiol.
Indústria de gente simples ao lado da plantação,
e no canto desta gente a força do bemol.
Lugar ao sol, bemol.
Todas essas coisas valorizando encantos,
de todas essas coisas ir vivendo em prol...
Lugar ao sol, lugar ao sol, por que estamos neste rol?
Por que estamos neste rol ?
Lugar ao sol, da margem podemos ver os peixes,
prateando e enredando aquele pequenino atol.
Da união desses prateados atóis surgirá belo continente.
Lugar ao sol, um balaio transbordando de estrelas
e mais uma brilha candidamente no anzol.
Lugar ao sol que lentamente traz para nós o enfoque
daquele distante farol. Lugar ao sol,
estar longe, muito longe deste rol.
Ah, estar longe no lugar ao sol !
Será esse o lugar onde o gênio das mil e uma noites
sai, refulgindo de um radiante caracol?!
Lugar ao sol!
minhas lágrimas, nossas fraquezas serão transformadas
em verdes pérolas neste crisol.
Lugar ao sol, tira-me deste rol,
tira-me deste rol...
SONETO DA AMARGURA
Longe vive o raiar da maravilha.
Longe desses olhos aborrecidos
que flutuam sozinhos pela trilha
de todos os homens esquecidos.
Quando olho nosso mundo, que palmilha
para o pântano dos desiludidos,
sinto que a esperança sã não mais brilha
nesta alma anã dos astros escurecidos.
A tristeza me invade quando vejo
o alienado rosto dos humanos
tão fútil, hipócrita e sem saída.
Neste momento só tenho um desejo:
de deitar sobre todos os desenganos,
para dormir e esquecer a vida.
VOLÚPIA E METRÓPOLE
O que traz a sua volúpia num suspiro de paz
é o que nega a vida em ranço
que carrego atrás da mesquinhez
de minhas unhas que agarram o que se vende
em prestação ao delírio.
A volúpia que se vende é o que se repete
imbecil no decoro da palavra em engano.
Trago um manancial de água podre dentro do meu peito
que parece uma cidade com uma máscara.
A máscara da cidade ninguém sabe qual é.
Só os habitantes passam indiferentes,
formalizando o código de suas volúpias.
Os tiros disparam os relógios
e a hora fatal aproxima-se de um bandido
entre um policial.
A mesma volúpia da máquina-violência,
que moveu muitos dramas,
está rugindo pelas matas afora,
fora da suavidade e da retórica dos hinos.
Não se deve cansar
de desmascarar uma máscara que se gruda
implacavelmente no centro da cidade em estertor.
PRAÇA (II)
Os jogos de damas e
as fúrias dos mares
se perdem, no ar se evaporam...
Tem gosto essa competição?
Tem gosto esta luta estúpida de paixão?
Ah, não sei...
Só sei que queria
dormir nesta humilde praça.
A carne esfarelou e duas guerras acabaram,
e a praça quieta, sem discutir,
sobreviveu.
Como pode um pequeno reduto popular
mostrar a verdadeira face da vida
em meio de uma louca cidade aturdida?
E os velhos nela habitam,
plácidos e cândidos.
Eles revelam sentimentos apenas pacíficos
por entre estas últimas lindas árvores.
Sabem eles que não necessitam ser selvagens
hábeis ratos que vivem de trapaças.
As taças enferrujaram sobre felicidades bisonhas
e o que restou foi a humilde praça...
DIURNO ESPECTRO ESPERANÇA
Diurno,
um som,
um aspecto,
um espectro
cintila no som.
Soturno
qual uma réstia
de treva,
Uma conversa
que renasce o amigo,
um espectro
que ressuscita no abrigo.
A MÁQUINA E O HOMEM (II)
O sol se ergue sobre a cidade
Vamos trabalhador, está na hora do serviço!
Vá construir sua falta de liberdade!
Vá carregar o seu peso maciço
de se humilhar sobre uma máquina sem coração...
Vá, trabalhador! sentir os nervos na ferragem,
sentir a velha ferrugem sujando nossa ilusão.
Vá, atrofiar o aço de sua coragem!
Olhe o suor feito óleo de uma máquina sem coração.
Olhe os seus braços entregues à exploração...
Veja trabalhador, a máquina a rodar sem mundo,
a rodar por um universo brilhante e cruel como a espada...
A máquina roda sobre os tecidos que fantasia moribundos,
a máquina gira sobre sapatos sem escada,
a máquina-gelo gira sobre seu rosto sem identificação...
FERNANDO MEDEIROS
primavera de 2005