O cantar que não deve ser lembrado!

Não te lembres, ó Musa, da voz que calará,

Nas entranhas da noite, depois de te ver...

Ficará no esquecimento toda a tua vaidade,

De pensar que és o canto da tua eternidade...

Não haverá lamento, nem haverá descanso,

No recato da madrugada, no som do remanso...

Procurarei fitar das paragens das estrelas

O tremular pálido das margens desse rio...

Enquanto a matéria procura se desintegrar,

Seguindo a lei de Lavoisier, tu verás o pássaro voar,

Livre singrar as rubras ventanias de tua dor passada...

Para trás, ah! Para trás, ficarão rumores,

Sobrarão lembranças, restarão tremores...

E tu, musa errante de um sonho perdido,

Verás a liberdade galgar distâncias,

Refletir tristezas, relembrar palavras doídas...

Tristes lembranças que nada mudarão

O cenário tétrico de uma noite de verão...

Poderia o amor ter sido derramado

Em porções de alegrias, em pedaços de carinho...

Não haveria necessidade de tanta lástima,

Nem haveria a propaganda de tanta cobertura...

Acreditava-se em que o sonho valeria a pena...

Mas a tarde chegou mansa e calorosa,

Trazendo chuva e cheiro de pó...

De minhas lembranças nada será retido...

Nada levarei comigo, deixarei um pedido:

Que não se lembrem de mim, quando o mar

Se tornar bravio, nem assobiar a noite

Seu canto triste de amargor...

Se puderem sonhar, continuem a vida...

Se puderem sorrir, que maravilha será...

Não se preocupem com quem partiu...

Não foi chorando, nem sorrindo foi...

Havia manchas em seus olhos tristes

Das lágrimas puras, com que se lavou...

Olhando os montes, não restou mais nada...

A terra cobriu o pranto da madrugada

E depois sorriu, como acariciando o nada...

De tudo fica um pouco na calada da noite...

Apenas, da festa fica o sopro, quando acaba...

Por isso, quando a musa subir, galgando alturas,

Não te preocupes com a fala, que ficará calada...

Deixa o canto voar, deixa a dor escorrer...

Não haverá mais que um brilho do olhar,

Embaçado, encoberto, sem odor nem amor,

Olhando a vida que já teve fim...

Por isso, Musa, que meu canto vela,

Não te importes com a face que revela

A presença da paz, quando despida a cor...

Viçosa planta que já foi colhida...

Ficou sentida demais para encarar a vida

E preferiu voar, antes que fosse banida

Do canteiro vivo, onde jaz encolhida...

Mística presença, que perdeu o sonho,

Perdeu a vontade, perdeu a sonoridade...

Mas encontrou, em troca, na solidão do verso

A morada suprema, o gozo que lhe deu abrigo...

Por isso, não pode usufruir de um novo canto,

Por isso entende que sua paz é o eterno!

(às 22:00 hs do dia 10/01/2007).

Mariza Monica
Enviado por Mariza Monica em 10/01/2008
Código do texto: T812025
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