ESQUECIMENTO ABSOLUTO

Eram seus últimos momentos

Já sentia o veneno sorvendo suas vísceras

A carta, previamente escrita já há alguns dias....

Jazia na estante que guardava os porta-retratos

Que só mostravam momentos felizes de sua vida

A vida que agora amargava no fundo da boca seca

Eram cinzas daquela época colorida das fotos

As luzes estavam acesas e as portas abertas

[pra facilitar a vida dos que chegassem quando ele não mais estivesse lá pra abri-las]

Na mão trêmula ainda segurava o pequeno frasco

Olhava-o sem esboçar qualquer reação

Era como se seu corpo estivesse dentro dele agora

Pensou em colocar uma música

Mas logo desistiu da idéia

[trilha sonora só dava certo pra morte dos heróis de guerra dos filmes americanos]

Deu mais uma olhada ao seu redor

Sua estante de livros bagunçados

Sua coleção incompleta de CD’s

A correspondência que esquecera de abrir

O vinho pela metade ao lado da TV

O vinho...

Esse sim, era digno de sua atenção

Talvez ele aliviasse as fortes dores

Que o consumiam lentamente

Era um Bourbon tinto suave

Saboreou cada gole com satisfação

Não estava alegre nem triste

Nada de ansiedade ou desespero

Deu mais uma olhada no pequeno frasco

E esperou...

Com a cabeça voltada em direção ao relógio que pendia na parede

Olhava fixamente o movimento do ponteiro dos segundos

Ele o levaria ao esquecimento absoluto...

Da própria vida.

[rh.18.01.07.23:09]

Ricardo Henrique
Enviado por Ricardo Henrique em 19/01/2008
Código do texto: T823471