BIOCICLO

Alguém ouviu a correnteza abandonando o leito

A frase - palavras amorfas - não é mais que o verso exposto

na tua cara

no teu suor

vitrine e vidro

eu rio - você sorri

conosco o mundo gargalha

sons ininteligíveis - vozes guturais

a lona de freio polui o ar com microestilhaços de asbestos

monóxido e dióxido

o químico e o poeta encontraram-se um dia

tornaram-se amigos e hoje um não vive sem o outro

do abraço dos dois nasceu o verso

e uma dúvida existencial que para nós é muita

Não importa

é bastante perder-me na selva desse céu

usar o leito seco desse rio

fazer-me forma amorfa e tornar-me andarilho

do primeiro ventre que se abrir nascer outra vez

assim como sou

mas dizer à criança que o mundo não é mau

nem tampouco a máquina

que a força material maior não insiste

apenas oferece e espera

Conquanto não haja recusa

a correnteza volta usar o leito

o rio precede uma floresta imensa e verde

o tempo usa o movimento dos homens

que passam e desenham numa tela térrea

o farfalhar de folhas poucas e o grito avernal da bomba

os ossos vivos de Biafra e o ouro negro do Sinai

Ruanda Somália Sudão Etiópia Bangladesh Nordeste

e a vida subsiste e insiste

na busca enigmática-mística da razão de tudo

da razão de nada

POR QUE ?

PARA QUE ?

DE ONDE ?

PARA ONDE ?

Contudo eu sei que a criança entenderá o verso

e saberá porque o mundo não é mau

nem tampouco a máquina

e sorrirá ao ver o quadro exposto

que o homem um dia não recusará

Gualberto
Enviado por Gualberto em 27/01/2008
Reeditado em 16/02/2008
Código do texto: T835288
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