Divagações (15)
Ignoro-me.
Ignoro quem dorme ali ao lado
paredes-meias comigo
no sonho.
Noite dentro. Penso. E perco-me de mim
neste enredo. E encontro-me em mim.
E revejo o missal do passado.
Luzes. As luzes agora apagadas.
As armas desengatilhadas. Os jardins.
Os jardins dos sonhos despedaçados
onde se debruçam guitarras do fado
sem cordas, nem carrilhões
partidas.
O espectador um homem.
Um homem sisudo, parado no tempo
vestido de negro, ancorado
neste cais sem cais de abrigo.
Em redor desse homem, tudo negro.
Nada já é iluminado.
A boca arreganhada
ri irónica do sonho que teve.
O cabelo branco, revoltado
sangra inquietações ainda por viver.
Que as vividas escoaram o peito
de tanto sangue verter.
Cúpulas erguidas de igrejas de fé
perdida
caíram de sono, cansadas
de não convencer.
Chagas, mil chagas abertas
lâmpadas acesas, outras tantas mil fundidas
vida apagada
palavras por dizer.
Inquietações. Ossos, veias, artérias…
Para quê este sangue todo
(tanto sangue!)
nestas vidas humanas que amanhã
ou depois
acabam por morrer?!
Perturbam-me estas galerias da vida!
Publicado no Jornal On-line ROSTOS