ESTRANHO

Estranho...

Se se ouvissem passos no telhado,

seriam as passadas alvas da neve

rangendo rumo aos beirais,

pingando em lágrimas grossas

de prazer.

Se se ouvissem batidas irregulares,

poderia ser um granizo errante,

zangado e bonito,

anunciando-se...

Assim como é,

murmuram as telhas conciliábulos

nos seus segredinhos líquidos,

unindo-se contra o vento

em demorados comadrios...

Assim como é,

nem as vidraças transparentes

contam as histórias do dia,

nervosas e tremurentas,

estremecendo as imagens

do quase certo...

Assim como é,

duvido que as pedras da calçada

rastreiem passos perdidos

rumo ao meu portão,

onde a campainha histérica

morrerá de tédio assombrado

sem soar, profana...

E na cidade molhada

soarão apenas vozes repetindo-se,

como um disco riscado,

na vitrola:

“-Que tempo horrível!”

“-Nossa, não pára de chover!”

Assim como é,

pensando melhor comigo mesmo,

descubro até que não está tão mau...

Se fosse qualquer coisa,

de tanta outra coisa

que poderia ser,

que não esse disco riscado,

ainda precisaríamos do cuidado

de escolher bem o que dizer...

Assim como é,

apenas caminhamos curvados

em pequenas corridas,

como se nos molhasse menos

esse choro vindo de cima,

correndo assim...

Olhando para baixo,

com vergonha de agradecer...