A DAMA E OS DRAMAS

O DRAMA E A DAMA ASTRONOMIA

Astronomia desenvolta:

eu não quero mais a volta.

Uma vez que se teve coragem,

que se decorem estas salas interestelares,

porque aqui é o nosso lar.

Astronomias desembaraçadas:

saibam que os vizinhos serão, sempre, nossos desenvolvimentos.

Astronomias estendem os veículos acima do vazio.

Que espetáculo mais que grandioso se abriu!

Astronomia alçou as cordas, as redes

que seguraram nossa significação.

O DRAMA E A DAMA POESIA

A retórica claudicou nesta ótica.

Límpido o espaço, a palavra depurou-se

de sombras, porque se deprimiu de sombras;

não fuja, pois, poesia!

Não derrape em fraquezas de outrora.

A poesia já será esta viga

amiga daquilo que estiver na sombra,

expressando a limpeza com clareza

de quem sonha estar na luz.

Sonha inconscientemente...

A poesia já é esta viga,

na medida em que habita as sombras

e se deprime, superando seu próprio crime.

Na poesia não se estancam as visões -

encantam-se, isso sim!

Quem não intuiu o seu peso?

Poesia, o seu ente sairá ileso.

Não assassinaram a vida,

o seu ente não é artificial.

O artifício para a poesia

é, apenas, uma arma política,

nunca uma afirmação! muito menos uma confirmação;

finge-se artifício a poesia,

para explodir em essência como fogos de artifício.

Enfim, o seu ente não é superficial.

Sabe lá a tragédia deste ente

que, sabendo sua grandeza, vive nas sombras...

Mas a tragédia é um relógio,

e o espaço é lógico, e o relógio significa, também, novos tempos,

porque a tragédia é inconstante

quando os entes penetram no relógio

e avançam nos espaços... criando as sementes.

Vão-se as sombras e avançam os entes...

O drama continua e as damas movimentam-se.

O epílogo é, sempre, um ponto além,

uma continuidade. O drama é um segredo

e as damas, o desenlace.

E vão elas... face-a-face com o drama.

O título do poema é, apenas, mais um poema.

As damas procuram ser poetisas e dominar os dramas...

ORIGENS

Ao vovô Manuel.

Sou filho dos primeiros navegantes,

tenho cor do vinho em minhas veias.

Sou o trilho de um mar brilhante

que descobriu um Brasil repleto de teias.

Sou filho do caldo verde, do sofrimento

de um povo morto de saudade pela terra natal,

de antepassados calejados pelo lamento.

Um povo distante de Portugal...

Ao vovô Francisco.

Sou filho do sol e da caatinga,

de seres sofredores sobre um trem de migrantes,

de seres que a riqueza achincalha

e a fome os recebe radiante.

Sou filho de uma terra triste,

terra de doenças que veste

os corpos daquele povo que não existe.

E assim sou parente

do Nordeste...

À vovó Aksênia.

Sou filho de um povo frio,

de seres dignos que o gelo construiu.

Sou filho de um povo vermelho que a melancolia

retrata como espelho.

Sou filho do eslavo que evaporou,

e de arrasto chegou à América, sem astúcia.

Tenho na alma a cor do céu de Moscou.

Tenho nos versos a lívida melancolia da Rússia.

À vovó Carmela.

Sou filho de um povo que vive numa bota,

na beleza de uma Veneza tão encantada.

Vivo sobre Torres de Pizas, sonhando a vida

que está soterrada na Roma enluarada.

Sou filho de campos artísticos sem divisa,

dos cantos magníficos de Dante que espalham

ternura aos lábios doces de Monalisa.

Em resumo, sou parte da Itália...

Aos meus pais: Francisco e Vera.

Enfim, sou resto de quatro cantos,

de quatro povos feitos de aventuras e de fome.

Filho de quatro grandes combatentes estrangeiros.

Cossacos, romanos, navegantes e cangaceiros

que não deixaram a coragem de vitória,

mas deixaram ao seu pobre filho

o suor e o coração de um poeta brasileiro.

FERNANDO MEDEIROS

primavera de 2005