NOVA JERUSALÉM (1)

VORACIDADE

A voracidade dos lugares etéreos.

A simples viagem ofuscada.

A busca infinita do arrebol.

Um céu que se reacende...

É a luz da oração dos que quase naufragaram.

A voracidade de um mar

que não acabará tão cedo, mas vai findar-se...

A voracidade de um mundo

que corre contra o tempo.

O vento da sepultura espera

o verdadeiro amanhecer.

A voracidade dos meteoros

gigantes a transportar aeronaves

que se beijam no espaço.

A voracidade também dos que fracassaram...

Antes a lua era favorita...

Agora a bendita comunhão

da lua nos indica uma cidade maior,

mas a voracidade de tudo

antes vem a despertar atmosferas.

E, contando com as vestes do horizonte,

encontra-se num beijo plácido e plangente.

E lá vem a voracidade dos ventos

a indicar a cidade eleita.

É ela do céu e apaziguadora de

todos os desesperos encantados

na voracidade de tudo.

ESTANDARTE

Estaremos, sim, reunidos,

até a interrogação final...

O que brilha é a messe

eterna de uma sombra

a anunciar o estandarte de luz.

Então, talvez, ficaremos, assim, reunidos

com os pobres de espírito,

sem lanças, sem flechas, nem receios...

Estandarte que ainda não vingou

depende do presente, Criador...

Da luta constante, da vontade de trigo.

Um estandarte dos pobres,

de espírito a reverdecer.

As brechas de um novo horizonte.

Mas, tudo depende do agora

e da luz maior que nos alcança.

Então, talvez, estaremos reunidos, para sempre...

A debulhar e secar o peito

do pranto e da mágoa,

dos grandes assassinatos do cotidiano.

E o estandarte que nos espera está

na flor do presente

dos doentes, dos órfãos da verdade,

do sofrimento que se requer a cada dia.

E o estandarte de cor multiforme

espera nossos braços,

e tudo depende do presente...

ALÍVIO

Cântico de alívio,

de nova composição

no arbusto em flor.

É o lírio esvoaçante

da alfombra dourada.

É o passo seguinte da escalada.

Uma nova manhã e o espelho do horizonte

na flor do dia primaveril.

Os novos estandartes dos sonhos,

rever os brindes e os acontecimentos em festas.

E o imenso alívio a suspirar fagueiros pela madrugada.

Tudo a despertar sonoros cânticos de festas benditas.

O novo rumorejar de atitudes...

A nova brisa aconchegante

da sombra em luz.

Os alívios infinitos de uma paz verdadeira...

CRUZAR DE OLHARES

Cruzar de olhares,

é tão bom quando se é jovem

e ver uma moça bonita...

Mas a solidão é um fardo,

e só ela, por enquanto, existe.

E o vazio...

o vazio da vida.

Cruzar de olhares, e acho que divago.

Estou sozinho no desespero aziago.

Cruzar de olhares,

não vejo mais sentido na vida,

só no amor que parece tão íngreme

e ainda somente a dor de viver só,

de viver muito só.

Cruzar de olhares, como viver assim?...

Assim?!...

Cruzar de olhares e o cântico é de tristeza.

Não vejo mares e vejo os desertos, desertos de incertezas.

Cruzar de olhares,

não vejo o seu olhar azul.

Vejo o norte e o sol forte.

E mais o tempestear no sul.

Cruzar os mares

e jamais procurar chorar nos lares.

E mais passar, então, pela rota dos desvalidos.

Vestir a bota dos mendicantes...

Cruzar de Olhares:

só restou o mal,

mas, ainda, o sal transformando a lágrima

em sorriso...

LÍRIOS DO VALE

Ilíricas sombras

questionando os medos.

E o desassossego...

A insônia dos olhos negros.

Púrpura raiam, ainda,

as mandrágoras.

Empinando no vale

um carrossel de paixões,

o vale das solidões.

Há uma esperança,

há um lírio que conecta a nossa sublimidade

num braço eternal.

Encontrar-se com as sombras

e se libertar para as luzes

contidas no silêncio.

O compêndio que estrutura

os sonhos.

E esperar mais o quê?

O novo cântico

do lírio em buquê.

O vale dos sonhos a se descortinar na aurora dos olhos

claros do Criador.

_ Ó, Pai, quando

ver-te-ei, Pai das luzes?

No silêncio do lírio do vale,

na abrupta caverna do meu ser...

_ Ó, Pai das luzes!

Quando estarei na Nova Jerusalém?!

AS MISÉRIAS DO DIA

As misérias do dia

vieram qual um beijo sem hálito.

As dificuldades eram todas...

O poeta andava atordoado,

com seus passos à volta de si próprio.

As misérias eram tantas

quantas foram as desarmonias

das emoções inconstantes.

As misérias do dia

vinham, também, das prisões,

pela ânsia para conseguir alcançar a luz.

As misérias do dia

iam além das arrogâncias.

E o céu descortinava-se

num suplício.

E tamanhas eram as misérias do dia...

Uma cantiga à mingua

simbolizava uma sombra,

mas, ainda, com esperança de se iluminar.

As misérias do dia

vinham num caudal de esperança...

A estratosfera inebriante

recuperava sonhos e mais sonhos.

Na memória do desassossego

novamente o retrato das misérias do dia.

O retrato a se refletir triste,

aguardando a redenção.

A tão esperada redenção,

num vórtice sublime...

FERNANDO MEDEIROS

primavera de 2005,

manhã chuvosa