ENTRE O PASSADO E O FUTURO (4)

MOTEJO

Sem dó,

assim é a mó.

A moedura

do sistema

pelo concreto,

assim é o

completo jarro d’água.

Por dó,

por fim, mais uma só,

distante do seu beijo.

Partilha em ladrilhos

assim é o motejo,

brejo em pó.

Por dor,

assim é o ensejo

de abraçá-la,

no final, o tiro

certeiro da bala.

Com pó,

assim é o refigurar

do horizonte procurando seu gracejo.

Na vertical,

assim se alinha

seu cortejo.

Por fim, a nó,

a moedura

do segredo.

Com dó, toca-se mais o arpejo,

no esforço por um lampejo.

MORADA

Morada que um dia me deu a vida,

morada que todos os dias me dava um sol,

um sul-laranja, um sol vermelho, um sol amarelo,

todos os dias me dava um sol.

Tu tens que me perdoar...

Morada que me ofereceste a vida,

e eu não dei valor a teu presente.

Morada, hoje, eu só vejo a morte,

morada, eu só vejo a morte.

Por que não voltas amanhã?

Juro que agora irei jamais te renegar,

irei, ao invés, regar as floradas,

pois ainda elas crescem pelas madrugadas.

Morada... se tu voltasses

jamais iria te renegar,

negar teu cheiro de erva pura,

negar a alegria de dias claros

na paz branda de minha vida.

Morada... que um dia me vestiu de rei,

eu não sei

por que eu tive de deixar-te?!

Talvez a ambição dos adultos,

talvez a mesquinhez das pessoas grandes,

porque temos que crescer...

Não importa, agora, tudo isto

eu não quero tanto me emocionar.

Eu desejo a ti somente morada...

Eu, há muito, não me lembro do gosto

dos teus saborosos morangos,

das suculentas laranjas...

Depois que te deixei, eu passo fome,

eu vivo mísero... Eu peço, minha morada,

tu que me deste a vida,

devolve-a só um minuto para mim.

Mesmo por um dia, mesmo por um beijo,

deixa te encontrar de novo.

Por um segundo, quero rever aquele sol,

sol-laranja, sol-vermelho, sol da esperança

que sorria para mim.

Faze que eu regresse só por um dia, Morada...

Assim, para quando voltar a meu triste mundo,

eu guarde um pedaço do teu céu no meu bolso.

Eu guarde esta lembrança límpida

que iluminará meus olhos

e me consolará com a esperança suave do teu sol,

sol vermelho, sol laranja, sol da vida eterna.

PEDRAS E COGUMELOS

A natureza em flor,

respiro da divindade.

A nova aliança

com a humanidade.

Cogumelos crescendo,

castiçais se acendendo

rumo aos mortais

pelas imortalidades.

Pedras atiradas,

é, assim, o mundo,

são, assim, os risos.

Luas cristalizadas.

Pedras e cogumelos,

rumores e apelos,

rumo a se seguir,

parada obrigatória

no riacho das discórdias.

Pedra-lume e Pedra-preciosa,

cogumelo vivo dentro da planta,

medo repentino que nos suplanta.

Rumos infinitos pelas estrelas,

prumos de arquitetos pelas estradas,

sumos crescendo por todas as plantas.

Pedras e cogumelos,

selos e cartões postais,

correspondências infinitas,

a contagem não é regressiva,

a viagem é eterna.

Plantas nascendo entre cogumelos,

pedras abrindo novos caminhos.

Passos em direção à eternidade...

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2005