[Não Quero Falar...]

Não — não quero falar de outra coisa: precisava saber onde habitar com você, onde, no seu mundo tão diverso do meu, pousar minha cabeça tão cansada, sem lhe onerar os passos, a vida.

Não quero falar de outra coisa: precisava, mas precisava mesmo, entender você, entender as suas razões, e sobretudo, não descompreender as suas não-razões, [nem todas, é claro, nem todas!].

Não quero falar de outra coisa: precisava entender por que você liga pra mim, quando eu já lhe disse que nada tenho a lhe oferecer, exceto essa minha frágil tentativa de estar presente em seu mundo [em parte dele, pelo menos].

Diante de nós dois, dos nossos passos, o Tempo abre aquela mágica fratura: abertura que nos permite resgatar o Passado, mas nos impede a coincidência com o Agora. Podemos então, nós dois, seres desfocados, coexistir na breve duração do encontro? O proibido para mim, agora é nosso?! Nem quero saber quanto dura um hiato — dura o que durou a fugacidade daquele beijo?

Não quero falar... e por que falo tanto? O que será que tanto quero lhe falar, tanto, mas tanto que até emudeço? O que será que você não me diz, o que será que eu não lhe digo, que distância invencível é esta,

de mim até mim, de você até você, que tanto nos corta a voz? Quantos desencontros ainda haveremos de ter na breve vigência deste nosso encontro?

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[Penas do Desterro, 17 de março de 2008]