JOÃO BRASILEIRO DAS EUROPÁMERICA(s) DO SUL

MINERVA E O PASSADO

Minerva é deusa romana?

Minerva será o que mais?

As cores já me perderam...

As deusas já me esqueceram...

Não tive nenhum rosto para o meu dia.

O dia foi indigesto.

Não tive nenhum beijo de Minerva,

Nenhum beijo da Antigüidade...

Tive a sombra andarilha e os dias perseguidos

e as entranhas indecisas...

A sombra andarilha perdeu-me nos pares.

A sombra andarilha alvejou-me nos ares.

Os feitos e os brios eram longínquos,

e a cadeia e o mar devorador

estavam presos em mim...

A sombra andarilha sulcou a plantação

infinda de medos, de ódios e de desesperos...

O desalento da minha ternura,

onde habitava Minerva e onde se escondia

esta ilusão devida...

Como encontrar Minerva, uma deusa,

seu eu não acreditava em santos?!

A sombra provinha de uma estátua bisonha,

Minerva era uma estátua no centro da cidade?

Onde o meu passado? Onde a minha Grécia? Além Roma?

Onde a aura ressuscitada dos deuses reintegrados na vida?

A estátua bisonha só podia ser eu,

eu e a minha vida tristonha...

Eu... Minerva?! Que contraditório fluxo

me assolava...

POEMA ÀS TRÊS AMÉRICAS

América do Norte,

és forte e imponderável,

travastes guerras,

sofres desastres...

És aviso à liberdade.

América Central,

és salina,

brilha qual uma

pedra na

crosta cristalina.

Mas, a que mais amo!

És América do Sul...

América do Sul dos pobres,

América do Sul hospitaleira.

América continente ímpar,

Marte reveste-se no espaço.

América do Sul

de Simon Bolívar.

América do Sul

dos sofrimentos sem fim...

Américas todas que esperam

o Redentor.

Três Américas permanecem unidas

nos limites do horizonte.

Meu coração forte, qual

Cristóvão Colombo,

quer a paz, de revista, em todos

os seus quilombos.

América, limite inquestionável...

América do Sul,

Suleste, Sudeste, Nordeste...

JOÃO BRASILEIRO

I

Nasceu em berço de madeira

o pobre João Brasileiro.

Não sabia que esse mundo, sem porteira,

seria tão cruel, tão estrangeiro!

E seu pai?

Miserável embriagado,

que perdia a grande ânsia

por trabalhar sem ter ganhos.

Pobre João... sofria já na infância.

Pobre João... sempre a mesma criança

atirada para a miséria tão mal,

que brincava com ele nas andanças

como se fosse um brinquedo de Natal.

E lá ia o Joãozinho buscar

o seu pai bêbado nas esquinas...

E lá ia o Joãozinho estudar

na escola da pobreza que muito ensina.

E a vida dizia para João:

_Tão estranho será o seu destino...

os seus caminhos estreitos desvendar-se-ão,

serás humilhado desde menino...

Apareceu, então, a adolescência de agonia,

e João contorcia-se nas noites, a desfalecer,

sozinho... a pobreza como única companhia

que assassinava a vontade de vencer...

Todas as pessoas riam de sua fraqueza,

de seu jeito inseguro de se comportar.

Ainda João seria a grande presa

do escárnio tão duro de suportar...

Sua juventude pobre era tecida de decepções,

seu coração gemia, escondendo-se em meio às trevas,

mas, por tudo existia o prazer das ilusões

com moças belas e puras... ao anoitecer.

As noites para João eram os conflitos,

as loucuras escravizando as madrugadas.

Procurava, então, sozinho o seu amor, num grito!

Desabrigado... sem uma face amada,

João estava percebendo o que era o mundo,

sabia das injustiças e do rancor.

João era mais um dos vagabundos,

que sonhava em ser compositor...

E ele sabia que, na pobreza, só temos injúrias,

e o direito de trabalhar como ninguém,

para ser roubado e aprender a falar lamúrias

na escola da revolta dos que nada têm.

II

VAI, JOÃO! Pensar em sua gente,

pensar em sua arte, em sua esmola;

cantar até se perder, ardentemente...

Nos cantos dos seus cantos sem viola.

VAI, MOÇO BRASILEIRO! O trabalho o espera,

dentro daquela indústria muito reina a ambição,

dentro daquela indústria não existe primavera,

dentro daquela arena muito existe de exploração!

VAI, JOÃO DO IDEAL! A vida morre na verdade,

não existe primavera e sim a neve dos egoístas,

e dentro da ambição só existe desigualdades,

e dentro da exploração só existe o mau capitalista.

ATÉ LOGO, JOÃO... siga em frente, amigo!

Lute eternamente, mesmo solitário,

mesmo sendo este pobre operário.

LUTE! Que um dia se vence o inimigo...

Siga com sua face esbofeteada

por esta terra que se perde de vista

Siga... pois sua camisa ensangüentada

mostra um peito mulato e socialista.

Pegue sua arma, sua arte, sua poesia

e caminhe pelos campos de guerra...

Até encontrar a flor da fantasia.

Um dia você se despedirá da solidão

e sua amada virá trazer seu carinho,

e haverá festa e haverá galardão,

haverá seu samba e haverá seu vinho...

III

Conforme-se, João! com o que estiver morrendo.

Conforme-se com o nosso pobre entristecer,

pois, se você hoje não está vencendo,

seu time, lá no campo, há de vencer...

Conforme-se, João, e veja a face da esperança

nas margens do nosso rio Paraná,

Conforme-se... que um dia haverá trabalho

e confiança; um dia, entre as palmeiras,

cantará o sabiá...

Siga, JOÃO! neste grande viver de lutas,

neste nosso BRASIL tão valente e tão duro,

e tente arrancar de nossas belas grutas

a paz e a satisfação de seu futuro!

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2005