A DIVINA COMÉDIA
O SÁBIO DE UMA VIDA
Num sonho de adolescência
apareceu-me um sábio,
apareceu-me entre as névoas e me disse:
_ Meu camarada... não se iluda
com certos aspectos deste mundo.
Não se iluda com o peso das instituições.
Na maioria das vezes você vai sofrer,
pensando numa remota felicidade.
Muito no mundo, no qual se joga com lucros e com perdas,
local onde se massacra um para favorecer outro,
muito neste mundo, neste tipo de mundo,
estará subornando as lágrimas, escondendo todos os pavores
abafados em cada canto escuro...
... e se é obrigado a suportar a secura de cada
mão que impõe as repugnantes condições.
Suportar a ânsia de vômito
provocada pelos gestos esnobes de quem se sustenta de arrogância.
O bom é que ainda existe um canto para se conscientizar
e se consolar e, também, existe tempo, existe tempo...
Não se iluda com a rudeza deste mundo
hipocritamente florido.
O falso trai aí os ingênuos, mas nunca aquele que se previne.
A arma dos invejosos é uma crítica destrutiva
ou uma ironia que desmoraliza seu alvo,
que desmoraliza o invejado.
Mas o que conhece o olhar cínico dos invejosos
conhece a sua intenção,
e se previne com sua perseverança,
analisando a realidade e pouco se entregando à ilusão.
A inveja existe onde se levanta a injustiça,
onde se dividem as partes,
onde deixam os homens enfraquecerem-se,
ignorarem-se, amargurarem-se, separarem-se dos outros.
Transformar-se num individualista,
individualistas que se fecham em seus mundos,
não podendo, assim, desenvolver a própria identidade,
porque não se libertam e não se praticam em sociedade.
Não se iluda!
Não se iluda!
Com amostras ocas
que não carregam o esforço da vida,
mas um disfarce, um desvio no qual prevalece cada vergonha.
Vá ver como estão frios os olhos daqueles que enganam...
Seus privilégios já os congelaram,
não possuem sequer um movimento, pois
o congelamento impede isto.
Congela-se porque não se aquece
com o que é da cultura do homem,
porque não reconhece o homem.
Ouça bem! Não se iluda a imaginar que
já desmoronaram todas as instituições conservadoras.
Neste conselho não existe a falsidade de um moralista
mas, sim, neste conselho está contida a sinceridade
de quem viu a vida e não se ilude com erros
e corrupções; de quem quer lutar pela verdadeira vida,
pela verdadeira história.
Não se revista de ilusões ingenuamente,
prepare-se para tudo!
MINHA TRAGÉDIA
Minha tragédia, minha amargura...
Divina comédia... Insatisfação, que ardor...
Raramente o amor!
Minha tragédia, dias nebulosos, arroz-feijão, miséria,
meus braços ociosos.
Eterna tragédia toda a minha vida,
tardes feridas, inúteis.
Fastio dentro do peito,
eterna é a minha tragédia.
Poesia, loucura, paixões ilusórias,
forte sensibilidade, triste, em tão pouca idade!
Pobre tragédia! a minha,
ridicularizada nos teatros, nos antros, nos meretrícios.
Forte sensibilidade que me aumenta as neuroses,
que me encanta com poemas.
Minha tragédia crucificada, prisioneira,
tragédia brasileira.
Solitária em dias de amargor,
inacreditável o amor...
Forte sensibilidade, talvez boa, talvez má,
é muito contraditória a sensibilidade.
Ela faz sofrer, movimenta os nervos
e, ao mesmo tempo, faz escrever.
O belo da sensibilidade é que ela é artista;
é que ela foge para o sublime, para versos,
para notas musicais, para cores maravilhosas...
E a tragédia é minha sensibilidade,
covarde e lutadora ao mesmo tempo,
mas grandemente humana, grandemente voltada à humanidade.
Minha tragédia, minha época perdida, tantas vezes ridicularizado,
tantas vezes oprimido, tantas vezes ironizado.
Mas uma tragédia traz consigo algo sempre de bom:
um consolo, uma lágrima tão humana, uma grande força,
uma tragédia mostra uma verdade...
E ensina, e encaminha, e dramatiza
sentimentos para emocionar,
para mostrar que, ainda, somos humanos,
e somos capazes de chorar.
Esta é a minha tragédia, minha identidade.
Talvez incoerente, talvez agressiva,
mas é uma tragédia luzente, seu lema é a esperança.
Apesar de tudo, seu lema visa um bem para os muitos corações,
para as muitas boas ilusões. Mesmo ainda agredindo, minha tragédia
visa a paz infinita entre os seres humanos.
FERNANDO MEDEIROS
verão de 2005