A CANÇÃO DO RIO

Descamba o rio em seu delírio

Depois de inventar nascentes e minadouros

Demarcar seu curso

Lamber praias e barrancas

Adentrar suas ilhas

Suas ilhotas rodeadas de silêncio e pedras

Descamba o rio em seu delírio

Em sua desvairada sonata de correntes correntezas corredeiras

Sua canção de peixes

Suas lavadeiras

Sua Iara de cabelos pretos de índia xacriabá

Seu caboclo d`àgua sentado na pedra do segredo

Seu delírio sua febre seu desvario

Descamba o rio

Em vilas cidades em terras jequitinhonhas

Descendo a pedra redonda do Sêrro do Frio

Para banhar o vale encantado da infância perdida

Em terras de Araçuaí

Em terras almenaras

Em veredas de Itinga Salto Grande Pedra Verde Guarani

Para despencar em terras baixas onde é chamado rio de areia

O rio agora é rio de areia

E persegue o mar

Sonha o sal do oceano

Para desmanchar-se em lume

Agora o rio entra sem licença sem peia

Ancho de àgua e barro

Enchente

É o teu nome

Que derruba casas

Devora terras

Doura a sede

Despista a fome

O rio agora é fúria

O rio agora é raiva

Insano mênstruo de sangue e lama

O rio agora é mar

E banha jacintos de chuva

Itiras retirantes

Diamantinas de luares sobre o espelho d`àgua do rio

O rio agora é mar

E acaba de invadir Itapebi

Muita gente perdendo as casas

Perdendo vidas

Perdendo a alma

Só a lama negra e as cobras perduram neste sertão de sol ardente

Um rio é feito de outros rios

Para entregar-se a um só mar

O mar de Netuno e Janaína

O mar de Colombo e Vespúcio

Descamba

O rio em seu delírio sua febre seu desvario

Cláudio Bento

Cláudio Bento
Enviado por Cláudio Bento em 31/03/2008
Código do texto: T924476
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.