MELANCOLIA (3)

PENÚRIA

Aqui está a fantasia em farrapos,

a alegria em trapos.

Por entre os confetes,

milhões de bofetes.

Está, aqui, a fantasia calada,

a agonia e a cacetada.

Em meio às ilusões,

milhões de safanões.

Marcas no rosto,

no espírito, na cara quebrada,

farta de risos sem gosto,

farta de receber porretada.

Aqui está a alegria em farrapos,

a fantasia em trapos,

por entre milhões de sopapos.

Aqui está a boca que xinga

um gole de pinga...

Está, aqui, os olhos e os dois pingos,

um operário suando aos domingos.

Os erros que acanham

e as carnes que apanham.

O prazer de tara,

a raiva na cara.

Está presente, neste momento,

o histrião ridicularizado...

Um órgão gonorreico,

e um cadáver fantasiado

está chorando, entre gemidos loucos,

machucado por milhões de socos.

Aqui está a fantasia em farrapos,

a alegria em trapos.

Por entre os suspiros,

milhões de vampiros.

Está, aqui, a fantasia calada,

o grito de uma mulher estuprada

em meios às máscaras destruídas.

O fim e o podre de nossas vidas...

Na tatuagem dos braços histéricos,

os cenários dos mundos cadavéricos.

No poder dos costumes,

o fedor de nossos próprios estrumes.

Aqui está a fantasia em farrapos,

momentos de alegria! Hoje são, apenas, trapos.

Por entre nossos pés mancos,

milhões de carnes em cancros.

Está, aqui, o que restou da fantasia! Os farrapos,

a alegria em trapos.

O rancor das feiticeiras

e a fome das caveiras.

Em meio às farsas distorcidas,

o tédio e o suplício de todas as nossas vidas...

LODO

Lodo é o

charco deste mundo,

repleto de hipócritas

e negadores da verdadeira paz.

Lodo é onde

não quero estar

por ser simples o meu falar.

A podridão de uma Era,

o vértice da cantiga sem flor.

O desamor e a estrofe de fera.

A cantiga também agora é lodo...

É lodo e, qual

verme, tenho de me arrastar.

Já fui lodo,

mas tento não mais ser.

Os nossos trapos de

imundícies estão aí,

por todos os lados.

Como lodos, como lagos alagados.

Eu também posso

ranger os dentes.

Lodo como lado

nado contra o lodo

que pode, quem

sabe, tornar-se luz?!

Cântico encoberto

no meio dos vencedores.

É o lodo da tara como sempre,

ó o lodo de todas as nações.

Nadar, nadar, não-nada...

FERNANDO MEDEIROS

Campinas, 31 de dezembro de 2005