O ALEGRE SOFREDOR

Há pessoas que sofrem

Apenas pra dizer aos outros

Que gostam de sofrer

Com um imenso prazer

Sofrem à toa

Não como um gesto de amor

Mas pra exibir sua dor

Sofrem ao vivo

Ou nas câmeras de TV

Como exibicionistas

Ou pérfidos masoquistas

Não sofrem por si

Pelos outros

Ou pela humanidade

Mas por sua tola vaidade

Fazem do sofrimento uma causa

E um estilo de vida

(que já nasceu perdida)

Não sofrem pelos que sofrem muito

Ou pelos que padecem pouco

Mas pra chamar a atenção

E, de todos, a admiração

Deitam-se em camas de pregos

Açoitam-se a noite inteira

Até que o sangue se verta

E jorre como água avermelhada

Misturada com sua imagem envaidecida

Pra todos se admirarem

De sua tolice exibida

E do seu sofrimento exaltado

Fazendo-se de “pobre coitado”

Uns se fazem de eremitas

Outros se isolam em clausuras

Ou se tornam anacoretas

Escondendo-se em cavernas obscuras

Preferindo a companhia dos brutos

A de doces criaturas

Há os que se fazem de mendigos

Pensando em se tornar mais dignos

Mostrando com seus pobres trapos

Sua pobre humanidade em farrapos

Uns fazem greve de fome

Emagrecendo a olhos vistos

E enaltecendo os ossos que comem

As carnes de modo tão profundo

Pois sem este artifício

Seriam meros desconhecidos

Ou atores em desperdício

Ignorados no resto do mundo

Como réus do “Santo Ofício”

Mas não há sofrimento melhor

E mais digno

Do que sofrer por ofício

A uma causa maior

A uma alma sofrida

Ou uma sociedade excluída

Pois não é a dor gratuita

Que o torna mais forte

Mas o sacrifício oculto

Que o torna mais sábio

E o transforma num líder

E num modelo a ser seguido

Por todos os seus discípulos