Da série Meus Poetas: Drummond

Da Série MEUS POETAS: Carlos Drummond de Andrade

Carlos, sossegue,

Nesta cidade do Rio

Dois milhões de habitantes

Vivem no lixo,

No estratégico limbo

Da zona sul elegante.

Mas de tudo sobra um pouco.

Eis aqui o que restou:

Uma criança aleijada

Pede esmola nas esquinas;

Uma bala extraviada

Mata um homem que dormia;vv

Uma chacina em favela

Mata toda uma família;

A fome que nos comia

Ainda ronda as panelas

Como vê, caro poeta,

Além da esperança perdida

Perdeu-se o sentido da vida.

E ela continua parada

( o automóvel passou... )

Mas ainda viveremos.

Eu creio, meu bom poeta.

Por enquanto cantamos o medo

Que saído dos subterrâneos

Instalou-se nas retinas fatigadas

Pelos últimos acontecimentos.

A manhã já não traz calma

Embora os jornais sejam fartos.

O sábio estava errado:

Não atingimos à essa altura

Um nível razoável de cultura.

( Felizmente, você está morto. )

Hoje, apesar dos apuros,

Os olhos não reaprenderam a chorar

E escapamos do dilúvio.

José continua duro e não morre

Embora agonize nas filas

Dormindo em marquises

Morando em favelas...

Às vezes consegue algum bico

E leva comida aos meninos.

De resto, a vida é uma festa...

Aqui me despeço e te abraço

E olhando teu retrato

Vejo a dor das fotografias...

O mundo parece Itabira.

Adeus!

Em tempo:

Venderam a Petrobrás

Eletrobrás

Telebrás

Como de resto, o Brasil

( Mas isso você já sabia. )

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 07/01/2006
Código do texto: T95686