Deus

A grande essência de Deus

É feita do que não é,

E por isso a dúvida: sei que há magia

No mistério das pequenas coisas —

A chuva que cai e não molha,

A flor que nasce ante os olhos —,

Mas nunca achei um símbolo

Que resumisse por completo essa palavra:

Deus.

Do alto da arrogância de suas torres,

Os que julgam possuir Sua palavra

Traçam planos contextuais,

Suficientes para decalcar, a sangue,

Em camisetas e medalhas,

O rosto dos que morreram inutilmente,

E em vão serão lembrados

— quando tão simples seria

Matar a fome do seu irmão.

Não.

Prefiro o acolhimento de meus passos erradios

À essa orfandade arquitetural

De templos abandonados;

Um aperto fraternal de mãos,

Sem dízimos e promessas de eternidade.

Nego, com a liturgia profana do meu corpo,

A quintessência dessa santidade forjada.

E exijo o direito de silenciar

Quando não entender o imenso mecanismo da matéria ausente.

Pois sei que nesse silêncio insuspeito

Habita a voz de Deus — essa, que não fala nunca

E jamais se cala.