Nada mais é, agora.

Brincar de roda ou de pique-esconde
afastava os demônios sombrios da infância.
Embrenhar-se entre as páginas de um conto de fada
apagando os rastros do medo da vida.
A infância mostrava o caminho do céu,
travessia multicolorida na ponte, forjada
pelo brilho cristalino do arco-íris.
E agora, o que eu faço, neste mundo fermentado,
mulher sem braços para abrir o livro fechado,
sem pernas, arrastando-se pelos becos da vida,
o sono pétreo aprisionando os sonhos?
Onde estão o coração alado, as finas taças cristalinas,
o vinho envelhecido percorrendo as veias azuis?
Não existem mais pontes para a travessia,
os rios correm por valas profundas.
Nada mais é, agora. O murmúrio dos ventos
não mais emoldura o aconchego noturno.
Nada mais, nada mais é o canto sibilante
das gotas de chuva que aprisionam a ilusão.

(Do livro inédito Alma Obscura)