MEU FILHO AUTISTA

Meu filho me morde

Quando tem fome ou dor.

Mas não é uma fome qualquer

Que qualquer alimento a sacie.

É uma fome indecifrável

A marcar meu corpo,

Com seus dentes frágeis.

E não é uma dor qualquer,

Que um remédio alivie.

É uma dor que me ameaça,

Por não saber curá-la,

Uma dor que me comove

E move, em meus olhos,

Lágrimas impotentes.

E depois, em seus lábios inocentes,

Abre-se um sorriso daqueles

Que só uma criança sabe sorrir,

Com seu olhar sorrindo também.

E eu, como mãe, observo-o feliz

Por tê-lo assim, agora alegre.

Mas triste, por tão incompreensível,

Fazer-me mistérios de seu ser.

Meu filho me morde de arte,

Espelha-me a insensatez

De nossa sorte.

Livra-me das convenções

De vida ou morte.

Meu filho autista

Dá-me o mote

À ilusão de artista.

Rocio Novaes
Enviado por Rocio Novaes em 04/04/2005
Código do texto: T9820