Morte em Vida

Quero morrer por um dia, talvez

por uma semana ou um mes,

para sentir a morte em vida,

a plenitude enfim atingida.

Será um sono profundo

sem os sonhos do mundo,

mais virtuoso que lindo

como não existe dormindo.

Estarei ao meu lado

em vigília sossegado,

a ouvir o que dizem os amigos

- e também os inimigos -

pois só falam de ti a verdade

depois que se deixa saudade.

Acima da lide mundana,

com a alma algo profana,

o que na vida não compreendi

entenderei cada qual de per si.

O mistério do amor engrandecido,

catalizado pelo ódio ensandecido

e a paz que brota dos conflitos

no descanso mórbido dos aflitos.

Deixarei para os da minha casa

fragmentos de uma obra escassa,

que não sejam peso, mas herança

vívida como olhos de criança;

não levarei comigo quaisquer fardos,

apenas alguns poemas rabiscados.

Se Aquele que ilumina o meu passo

de andarilho trôpego de cansaço,

depois disso assim o permitir,

voltarei ao mundo existir.

Mas com olhos que a essência

enxerguem, sem malevolência;

olhos que somente vazem luz

e a quem os mire de pronto seduz.

Para viver com uma força tamanha

em intensidade que o vivo estranha;

que a vida se torne tão grande,

sufoque a morte rondante

e seja de todo indiferente

estar-se morto ou vivente.

Brasília, 10 de setembro de 2002

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 15/01/2006
Reeditado em 13/03/2006
Código do texto: T99183